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      Jean Menezes de Aguiar

      Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

      225 artigos

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      Polarização, estupidez e outras diversões da pouca inteligência

      O Brasil está vivendo um ódio da polarização e uma crença na lacração com prazos de validade vencidos

        

      Está em Adorno[1], uma base de fatores para a ‘pouca inteligência’. Se é uma expressão forte, é condizente com a atual polarização política e seus ‘notáveis’ lacradores de internet. Entretanto, o textinho aqui busca apenas diversão e devaneios enfeitados com um exagerado número de autores e livros. Nada mais que isso.

      O assunto é incômodo para muitos. Há quem não admita discuti-lo. Coisas como pouca inteligência, estupidez, burrice, ignorância, mediocridade etc., atraem um relativismo infinitista malandro. Ou defensivo. Certamente pelo medo de se cair nas valas malditas. Peter Burke[2] registra que os estudos do conhecimento começam a abarcar os estudos da ignorância. Nada mais justo. Se há o sol, há a lua. Mas também há prazerosas tempestades.

      Como referência primeira, tinha que ser ela, a boa e velha filosofia, para prestar-se à conexão de fatores tão espinhosos. Esta menina sempre atraiu furores históricos, como o de um previsível chanceler Séguier[3], no Parlamento francês, disparando, enciumado, que a filosofia se via como uma ‘seita ímpia e audaciosa, pretendendo possuir todos os saberes; que com uma mão derrubava o Trono e com a outra os Altares’. O ódio primário continua gerando alegorias epistemológicas. De quebra se mostra de todo impotente à filosofia, se se quiser, meio patético mesmo a seus pensadores. Peter Sloterdijk[4], considerado insuperável por ninguém menos que Habermas[5], pelas ‘citações saborosas’, se refere aos 3 irmãos timóticos da ira, esta força fundamental do ecossistem a de afetos, o orgulho, a vontade de ostentação e o ressentimento. Que quarteto belíssimo! O estudo das raivas biliares, ligadas a mentes descontroladas, continua promissor, principalmente quando há a percepção de uma amadora insuficiência eficacial. François Jullien[6], precisamente em estudo de eficácia, ensina que persuadir o outro exige o dispêndio da retórica, um fator sabidamente hercúleo para quem produz ódios, e polarizações, e quer somente dominar o adversário. É o diálogo erístico, como ensinado por Chaïm Perelman[7].

      Nisso tudo, não há orgulhos[8], para a filosofia. Nem erro, este temor acientífico[9]. Em Adorno[10], a filosofia pode errar constantemente e só por isso conquistar algo. Parece que não se tem, mesmo, como bater nesta moça que não envelhece, o que gera o beco sem saída de Pascal[11]: zombar da filosofia é fazer filosofia.

      No tema proscrito da ‘pouca inteligência’, e seus formidáveis red-bulls neuronais, surge olímpica, neste requentado Brasil careta e conservador, a famélica polarização política, com sua mente binária, sempre previsível e agora espremida entre a pobreza taxonômica de lulismos, de um lado, e bolsonarismos, de outro. Como diz Marco Casanova[12], a terra plana das opiniões prontas.

      Realmente, a tal mente polarizada dá traços de pensamento infantil, quando se compraz em opor qualidades, conforme Robert Blanché[13]. Ao lado de seus dois neurônios penhorados pela ideologia, e que entram em curto à toa, esta mente ainda costuma ser preconceituosa, dando-se assim uma espécie de maniqueísmo portátil densificado pela volúpia da certeza. Adorno[14] ensina que a mentalidade do sujeito preconceituoso pensa por meio de ingroups[15] ou outgroups rigidamente contrastantes. E conclui trágico: é a pouca inteligência. O que era um até elegante ‘rigidamente contrastante’, ali pela década de 1970, se torna agora o cafona da lacração polarizada, neste mondrongo século XXI.

      Se se raciocinar em termos de lógica, ciência que exige um pensar conceituante, e por isso mesmo com ausência de pressuposições, conforme Hegel[16], a mente lacradora também é um desastre. Sua essência não é plural, mas uma pobre díade, e sua funcionalidade se assenta em vieses, quando não apriorísticos, positivistas ao estilo Feyerabend[17], como uma filosofia escolar de nenhuma importância.  Mente lacradora é mesmo mente soberba em exigir, altiva, e bem primariamente, respostas exatas, inquestionáveis e cartesianas. Contábeis, se se quiser. É mesmo uma mente em dores, oprimida, antropofagicamente, por sua própria visão de mundo.  

      Por seu turno, surge a famosa estupidez, um conceito consequencial ou aposterístico, no sentido de uma ignorância barulhenta e qualificada pela agressividade. Robert Musil[18] apresenta o fato de a inteligência sempre enfurecer estúpidos. Daí a estupidez e seu fator atávico, o pavio curto. Já Adorno[19] destrinça epistemologicamente o nascimento da estupidez partindo da natureza compulsiva do estereótipo que interrompe a dialética da tentativa e erro. Assim, postos esses fatores no caldeirão – a agressividade, o preconceito, a interrupção do diálogo e a sanha de infalibilidade-, surge o que J. F. Brown chama de ‘estereopatia’, conceito que o mesmo Adorno, para o segmento da política, completa dizendo se tratar de uma ‘densa massa de ignorância’. Bingo.

      Está-se diante de fatores que darão ao estereopata a infalível – e tragediosa- crença de certeza sobre sua certeza. Ainda que sem qualquer base teórica, científica ou principiológica. O lacrador é, então, apenas um verborrágico, com uma fala-viagra sempre ereta e em abstenção de um pensar reflexivo. Tudo para seu diálogo belicoso e pobre.

      Mas nem tudo são delícias, há olhares cuidadosos. Carlo Cipolla[20] teorizou as 5 leis da estupidez, que, em síntese, são: 1. Todo mundo subestima a quantidade de estúpidos; 2. A estupidez se determina, em alguém, pela própria estupidez, e não por outro fator; 3. O estúpido é prejudicial a terceiros, e ele mesmo não obtém ganhos; 4. Não estúpidos subestimam o poder da estupidez; 5. O estúpido é o tipo mais perigoso de pessoa que há.

      Como a estupidez é proativa e orgulhosa, quando não ‘motivacional’ (...) – mas com seguidores![21]-, jamais se espere dela a o cultivo do equívoco, ou o desconcerto com convicções claras, como ensina um noturno Cioran[22]. Nem preferências por formulações mais paradoxais, como um meio-odiado Feyerabend[23]. Há ainda diversas possibilidades epistêmicas sobre ela, observáveis nas criaturas que adotaram este modo de vida. Sempre um grau agudizado e histriônico de conversa; tendências à agressividade, no mínimo verbal; e uma busca sôfrega em convencer, ou mostrar correção e conhecimento. Um subcaso patológico de micropoder relacional foucaultiano. Esta violência, no próprio manejo do diálogo, tanto poderá surgir à medida que o desconhecimento seja rev elado, ou apenas ameaçado, como igualmente na busca pela ânsia de saber, modelos paralelos disparadores da personalidade agressiva.

      A estupidez popular usuária de internet, lacradora, parece se deslumbrar com vídeos de Youtube com seus verbos maximistas: Fulano arrasou; humilhou; esmagou; destruiu etc. Há aí, um misto-busca de fofoca, credulidade e ignorância formidáveis.

      Repare-se que o problema da mente polarizada, ou lacradora nem estaria em categorizar grupos, como ensina Steven Pinker[24], mostrando que é normal tanto a classificação quanto a categorização, como sentidos próprios de um convívio social. O problema está na moralização positiva do grupo adepto, e na negativa do rival, precisamente o que costuma fazer como visão de mundo. É um triunfo. Apresente um crime grave de ofensa racista dolosa cometido por um adepto do polarizador político e ele se apressar&a acute; em eufeminizar: aquilo foi há muito tempo, já passou; ou dirá que é ‘mimimi’, o reducionismo favorito dos preconceituosos.

      Estas mentes em ódios, polarização, lacração, estupidez e congêneres são o que se tem por mentes fáceis, dóceis. Ainda que seu usuário seja um vaidoso – uma máquina a vapor com vazamento[25]-, ou um altivo brigão ideológico. Qualquer cínico amador se safa com estes previsíveis. Mentes dóceis costumam ser medíocres – triunfais- nas vitórias, agressivas nas derrotas.

      Em muitos casos é o que Sloterdijk[26] se refere quando menciona correntes maciças de um ódio à inteligência, falanges de ideologias autoritárias, nacionalismo agressivo, e traços de luxúria vingativa. E responda rápido: isso aí foi escrito há décadas ou há pouquíssimos anos, e customizadamente para o Brasil?

      Pois é, o Brasil está vivendo um ódio da polarização e uma crença na lacração com prazos de validade vencidos. E a máxima do famoso filósofo de rua Gentileza[27], do Rio de Janeiro, não conseguiu adeptos verdadeiros nas mentes moralistas, conservadoras e velhas, nada estudiosas de um sempre vaidoso ultracapitalismo dos valores.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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