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    Eduardo Guimarães

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    Silvio Almeida, vilão ou herói?

    "Vamos condenar Sílvio Almeida antes de investigá-lo? Vamos destruir a sua vida? Não temos esse direito", diz Eduardo Guimarães

    Silvio Almeida (Foto: Filipe Araújo/MINC)

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    Primeiro, uma premissa básica sobre o paulista de 48 anos Silvio Luiz de Almeida: o final da novela que ele protagoniza não terá meio termo; o jurista entrará para a história como um sociopata, dissimulado, hipócrita e pérfido ou como vítima de uma farsa monstruosa, covarde, engendrada por pura e simples maldade e/ou interesses dos mais obscuros.

    Almeida é filho do goleiro de futebol Lourival, conhecido como Barbosinha durante a carreira no "Sport Club Corinthians Paulista". É casado com Ednéia Carvalho, que, de pronto, rechaçou com veemência as acusações contra o homem com quem acaba de ter uma filha, que está em seu primeiro ano de vida.

    Dirão que nada importa -- a história, a vida pessoal, a superação, as lutas renhidas que todos sabemos que os negros travam para ascender em qualquer atividade que não aquelas às quais são relegados em razão do talento natural dos afrodescendentes para a arte e os esportes, nos quais, em geral, são quase insuperáveis.

    Discordo, porém, de que não importa: esses são detalhes vitais para discutir Almeida. Não para absolvê-lo por eventuais crimes, mas para entendermos que, enquanto a culpa não for provada, esse talento, essa força, essa luta épica que travou para se projetar como se projetou na defesa dos direitos humanos geram uma questão de fundo.

    Antes de qualquer discussão das "provas" que estão sendo esgrimidas contra ele, perguntemo-nos se dá para aceitar sem discussão acusações ainda inconclusivas sobre ter cometido um crime de descomunal gravidade, que torna um homem menos homem, um ser humano menos humano, um cidadão menos cidadão.

    Podemos fazer isso com Silvio Luiz de Almeida ou devemos lhe dar uma chance de se defender antes de condená-lo tão peremptoriamente?

    Vejamos, pois, o que diz a Wikipedia sobre Almeida -- com adendos deste que escreve.

    Advogado desde 2000, empreendeu atuação destacada no direito empresarial, econômico e tributário e na defesa dos direitos humanos.

    Entre 2005 a 2019, lecionou filosofia do direito e introdução do estudo do direito na Universidade São Judas Tadeu.

    É professor da graduação em direito e da pós-graduação stricto sensu em direito político e econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie; e professor da Escola de Administração de Empresas e da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, ambas em São Paulo.

    Em 2020, foi professor visitante na Universidade Duke, onde lecionou nos cursos “Raça e Direito na América Latina” e “Black Lives Matter: Brasil e Estados Unidos”, este último em parceria com o professor John D. French.

    Em 2022, foi selecionado como professor visitante da cadeira Edward Larocque Tinker da Universidade de Columbia na cidade de Nova Iorque, destinada a intelectuais de prestígio da América Latina -- vaga foi ocupada em anos anteriores por intelectuais como o economista Raúl Prebisch, o geógrafo Milton Santos, o jornalista Elio Gaspari, o jurista Roberto Gargarella e a historiadora Lilia Schwarcz, dentre outros. E na mesma instituição ministrou o curso “Raça, Direito e Cultura na América Latina”.

    Foi entrevistado pelo programa Roda Viva da TV Cultura em junho de 2020. A participação de Silvio Almeida no programa inspirou um "clube do livro" para jovens negros e carentes nas redes sociais.

    Foi presidente do Instituto Luiz Gama, organização de direitos humanos voltada à defesa jurídica de minorias e causas populares. Atuou na formação da “Frente Pró-cotas” para negros nas universidades e foi um dos formuladores das políticas de ação afirmativa que vieram a ser implementadas no Estado de São Paulo -- que, sob o PSDB, sempre resistiu às cotas "raciais".

    Em 2021 foi o relator da Comissão de Juristas instituído pela Câmara dos Deputados para a apresentação de propostas legislativas para o combate ao racismo institucional.

    Em 2020 tornou-se colunista de política da Folha de S.Paulo, atuação que foi interrompida por conta de sua nomeação como um dos coordenadores da equipe de transição do presidente eleito Lula.

    Ufa! Esse negro -- filho de um goleiro que deve ter suado muito para melhorar sua condição de vida através da única chance que davam aos negros -- incomodou muita gente que não quer nem ouvir falar em racismo estrutural e ajudou muita gente vítima da forma mais cínica e perversa que existe de segregar pessoas -- pelo preconceito.

    Tudo isso absolve Almeida se ele for culpado de assediar sexualmente mulheres, valendo-se de eventual ascendência sobre elas? É óbvio que não! De jeito nenhum! Aliás, de certa forma seria um agravante se ele fosse mesmo culpado, pois tal conduta relegaria toda a sua obra à hipocrisia, ao uso de uma imagem de herói para cometer vilanias.

    A conjunção subordinativa condicional "Se" é o xis da questão: SE ele for culpado, SE ele for investigado e considerado culpado é que se deverá puni-lo. Nem um segundo antes.

    Ah, Eduardo, mas é difícil provar que houve assédio. As mulheres têm medo de dizer que foram vítimas de assédio porque, em geral, imputam a elas a culpa por tal assédio, que nem seria assédio segundo os machistas de plantão e os eventuais. E isso é a mais pura verdade.

    Em um país em que mulher é condenada após ter sido estuprada por ter usado uma roupa que fez o estuprador perder a decência, a razão e a humanidade a ponto de arrancar o que de mais íntimo tem uma mulher, que é o ato que a faz gerar os descendentes da humanidadde, é realmente complicado acusar um homem poderoso ou eminente -- ou ambos -- de estupro.

    O que fazer, então? Vamos condenar Sílvio Almeida antes de investigá-lo? Vamos destruir a sua vida? Vamos condenar sua filha que mal acaba de nascer a ser filha de um degenerado só porque algumas pessoas sequiosas por posar como guardiãs da moral e dos bons constumes não podem esperar uma investigação?

    Aliás, investigação que todos sabiam que seria feita com denodo em razão de o titular do governo a que Almeida servia ser um humanista e um defensor dos direitos humanos de renome internacional como Luiz Inácio Lula da Silva.

    Não, não podemos fazer isso. Não temos esse direito. Desde que surgiu a informação de que Almeida teria assediado uma ministra empoderada do governo Lula como Anielle Franco, irmã de uma heroína que jamais se calaria diante de assédio, todos tivemos certeza de que o presidente Lula não deixaria esse caso morrer.

    E antes que digam que o presidente sabia de tudo e não disse nada, repilo esse argumento com base no que ele disse, que só soube desse caso na quinta-feira retrasada (5/9), quando, em 24 horas (do dia 5 para o dia 6), demitiu Almeida de forma até estrepitosa, por assim dizer.

    Ah, Eduardo, mas já há mais quatro relatos pormenorizados de assédios de Almeida, além do relato de Anielle -- que se tornou "pormenorizado" pela mídia. Vejamos, então, esses relatos.

    Uma vereadora do PSB interompeu a campanha eleitoral para acusar Almeida de, do nada, tocar sua perna por baixo da mesa. Negro, com uma história de vida edificante, teve a ousadia de tocar uma mulher branca e loira sem autorização dela ao lado de várias pessoas que estavam na mesa.

    A vereadora precisa explicar melhor essa história. Pode ser depois da campanha eleitoral, mas terá que explicar à PF.

    A palavra de uma mulher deve, sim, ser "prova" suficiente para abrir uma investigação séria. É o mínimo que se pode exigir em uma sociedade minimamente civilizada porque todos estamos carecas de saber que é mesmo difícil comprovar um crime tão fluído como o assédio.

    Mas atenção: deve ser "prova" para abrir a investigação, mas JAMAIS para condenar. E muito menos liminarmente, como ocorreu com Almeida sob a premissa equivocada de que a palavra da mulher bastaria para condenar.

    Outra denúncia foi a acusação de um funcionário de Almeida no ministério que ele comandou. Disse que foi assediado moralmente, que o ministro o intimidou verbal e até fisicamente.

    Pergunta: algum ministro de Estado branco seria sequer questionado se um de seus funcionários lhe fizesse tal acusação sem apresentar nenhuma prova? E assédio moral permite produção de provas -- facílimo deixar um celular gravando sabendo que o chefe é irascível. Em algum momento ele irá se descontrolar e, aí, é só gravar.

    Outras duas pessoas relataram assédio sexual. Duas alunas de Almeida. Uma disse que ele a convidou para sair e discutir suas notas e a outra disse que ele chegou muito perto dela após terminar a aula. A primeira não disse que ele convidou para sair para um programa sexual e a segunda não disse que ele a tocou de qualquer forma.

    Os relatos não têm significado? Claro que têm. Almeida deveria saber que não deve romper certos limites. Aliás, muitos professores PRECISAM saber disso, pois muitos sabemos que esse tipo de conduta costuma acontecer até no meio de uma aula, diante de todos. Quem nunca viu? Cansei de ver coisas assim quando estudava. E eu estudava há séculos.

    Almeida está sendo investigado por uma delegada da Polícia Federal cujo nome está sendo mantido em sigilo para evitar pressões. Seu caso será relatado no Supremo pelo ministro "terrivelmente evangélico" nomeado por um adversário político, ligado a Jair Bolsonaro, que não é famoso por sua defesa da igualdade racial.

    Só peço que parem de condenar Almeida em falas e textos que pedem que não se peça presunção de inocência para ele. Se a delegada e o ministro do STF produzirem um relatório no Tribunal que condene o ex-ministro, ainda haverá que esperar que outros ministros se pronunciem. E, aí, condenado, este que escreve o condenará de consciência limpa.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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