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    Pauta recorrente em ano eleitoral, transporte público enfrenta sucateamento nas principais cidades brasileiras

    Atraso no serviço, superlotação, tarifas cada vez mais caras e veículos velhos são parte da rotina de quem utiliza o transporte coletivo no seu dia a dia

    Ônibus em Porto Alegre (Foto: Otávio Rosso / 247)

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    Por Otávio Rosso, 247 - Como ocorre em quase todo o ano de eleição municipal, o transporte público é um dos principais temas tratados durante as campanhas eleitorais. Desde ideias mirabolantes, como o teleférico proposto por Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo, passando por propostas de privatização de empresas de transporte ou o aumento do investimento, os planos de governo dos candidatos às prefeituras das principais cidades do país buscam diferentes soluções para essa área que impacta a rotina de milhões de brasileiros. No entanto, as diferentes propostas apontam para o consenso de que o transporte público vive um sucateamento no Brasil.

    Atraso no serviço, superlotação, tarifas cada vez mais caras e veículos velhos são parte da rotina de quem utiliza o transporte coletivo no seu dia a dia. Uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostra que a demanda de passageiros no transporte público por ônibus caiu 30% no Brasil nos últimos sete anos. Atualmente, 30,9% dos brasileiros utilizam ônibus para se locomover. Em 2018 eram 45%. Apesar dessa queda, milhões de brasileiros ainda precisam do transporte público para acessar direitos básicos como saúde, educação e lazer, além do trabalho.

    Segundo Emilio Merino, consultor em transporte e mobilidade e professor de Arquitetura e Urbanismo, a decadência do transporte coletivo é uma tendência registrada nas principais cidades brasileiras nas últimas décadas, onde o modelo sustentado por tarifas impede que o sistema se torne sustentável. Na opinião dele, uma combinação de uma série de fatores, que incluem o surgimento de outros modais de transporte, como o transporte por aplicativo, o aumento da tarifa e a queda na qualidade do serviço colaboraram para o agravamento da situação. 

    “O sucateamento do transporte coletivo significa, para mim, que cada vez mais as linhas de transporte coletivo estão muito mal planejadas, não estão adequadas aos fatores de demanda que existem neste momento. Precisamos da incrementação de maior qualidade da prestação dos serviços coletivos. O sistema ficou engessado, com as mesmas tabelas horárias, com as mesmas linhas de transporte, com os mesmos itinerários, com ônibus cada vez mais velhos. A voz do usuário (do transporte coletivo), neste momento, não está sendo escutada”, disse Merino.

    O consultor cita como exemplo o caso de Porto Alegre. A capital gaúcha tinha um modelo de transporte público que era considerado referência no mundo todo, e a Carris, empresa de ônibus da cidade, recebeu o prêmio de Melhor Empresa de Transporte Coletivo do Brasil da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) em 1999. No entanto, nos últimos 15 anos, o modelo porto-alegrense se tornou obsoleto, culminando com a privatização da Carris pela gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) em 2023.

    “No início dos anos 2000, o sistema de Porto Alegre foi um modelo para diversas cidades da América Latina, que todo mundo olhava como um modelo muito bom. Gestores públicos de 20 cidades americanas vieram conhecer como era o modelo em Porto Alegre. Foi uma experiência muito boa, mas ficou engessado e não melhorou através do tempo, então, depois de 20 anos de modelo, ficou estagnado”, lamenta.

    Merino aponta que, com o esgotamento do modelo de transporte público sustentado unicamente pela tarifa, é preciso encontrar alternativas, que vão desde o subsídio às empresas de transporte até o passe livre. “Vai ter que ser repensado o modelo econômico-financeiro de como se vai calcular a tarifa. E aí exigiria que não simplesmente investimento em infraestrutura, em vias, em parte de BRTs, eletrificação da frota, mas um novo modelo econômico-financeiro para sustentar. Aí entra justamente a tarifa zero. Sempre se pensou que a tarifa deveria pagar o serviço e a operação do sistema de transporte coletivo nos investimentos, coisa que no início pode ter sido certa, mas, com o decorrer do tempo, isso já não funciona”, explica.

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    Novo PAC permitirá avanços

    No final de 2023, o Novo PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), do governo Lula (PT), abriu seleções para que estados e municípios enviassem suas propostas para novas obras de mobilidade urbana em grandes e médias cidades e para renovação de frota. O projeto prevê o financiamento para que prefeituras adquiram frotas de ônibus elétricos ou menos poluentes, garantindo controle público sobre a frota.

    Em julho deste ano, o governo anunciou R$ 9,9 bilhões para obras em 58 municípios de 24 unidades da federação, sendo localidades pertencentes a regiões metropolitanas com mais de 3 milhões habitantes e municípios com mais de 300 mil habitantes. Os novos investimentos priorizam transporte público de alta e média capacidade, como BRTs, VLTs, trens urbanos, metrôs e outras infraestruturas.

    Para Emilio Merino, a iniciativa permitirá que os gestores municipais tenham recursos para enfrentar os problemas do transporte coletivo. “Acredito que este PAC, desde o meu ponto de vista, trataria benefícios substanciais a combater e, sobretudo, a dar instrumentos de planejamento e de gestão para os gestores públicos para que possam enfrentar esse caos de o que significa o transporte coletivo e, de alguma outra maneira, poder combater, ou concorrer, se podemos dizer assim, com outros modais de transporte que têm começado a aparecer na mobilidade urbana das diversas cidades que temos”, afirma.

    Sobre a substituição das frotas por veículos elétricos, Merino alerta que o Brasil está atrasado nesse movimento em relação a outras nações e, portanto, os investimentos do PAC são bem vindos. “A mudança conceitual de veículos para veículos elétricos, mais de 3 mil veículos elétricos, de alguma outra maneira levará ao Brasil um novo patamar. Se considerarmos que Santiago, no Chile, Cidade do México e Bogotá já são cidades que têm grande parte de suas frotas já eletrificadas. Existem novos modelos, existem novas formas de trabalhar com esses veículos elétricos que o Brasil está bem atrasado nesse sentido”.

    O especialista também faz uma comparação com os investimentos realizados pelas outras edições do PAC. Segundo ele, as obras das outras edições do programa priorizaram o conceito de mobilidade urbana considerando outros modais de transporte além do transporte coletivo. “O último grande PAC, com o qual se pretendeu financiar grande parte das infraestruturas de transporte que favoreceria as obras viárias da Copa, ajudou a estabelecer certas medidas de infraestrutura de melhoria da circulação, mas que, no final de contas, não tinha muito a ver com as obras vinculadas à melhoria do transporte coletivo. Foram muitas obras de viadutos”, explica.

    BNDES realiza Estudo Nacional de Mobilidade Urbana

    Em junho de 2024, o Banco Nacional de Desenvolvimento anunciou a realização de um Estudo Nacional de Mobilidade Urbana, em parceria com o Ministério das Cidades. O levantamento, que receberá um investimento de R$ 27,8 milhões, tem como foco a infraestrutura de mobilidade, melhorar a qualidade dos serviços de transporte urbano e atrair mais passageiros para o transporte público em metrópoles brasileiras com população superior a um milhão de habitantes.

    O banco de fomento informou que o estudo terá o horizonte de 30 anos e pretende identificar o potencial para "projetos de média e alta capacidades em todas as regiões do Brasil, além de abordar a otimização e integração das redes de transporte, alternativas para financiamento do sistema e a gestão coordenada entre os entes federativos". O projeto também contribuirá para formar a carteira de projetos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) que promovam investimentos para melhoria dos serviços públicos no âmbito do Novo PAC.

    De acordo com Emilio Merino, o estudo de mobilidade urbana vai ser extremamente importante para reduzir a defasagem do transporte público brasileiro em termos de planejamento. “O Brasil tem uma defasagem muito forte em nível de planejamento dessa natureza, com respeito a outras cidades da América Latina e do mundo. Eu diria assim, que com respeito ao mundo, o Brasil como um todo está defasado tecnologicamente há mais de 10, 15 anos. Então, esse estudo vai ser sumamente importante, vai abarcar diversas cidades, diversas regiões do Brasil. Vai poder embasar melhorias de qualidade dos serviços de transporte urbano, de passageiros”, explica.

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