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    Prefeitos dependem cada vez mais de deputados e senadores para governar

    Estudo mostra participação crescente de emendas parlamentares no orçamento locais. Pequenos municípios são os mais expostos

    Prédio do Congresso Nacional, em Brasília (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

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    Por Marcos Mortari, InfoMoney - Um dos temas mais polêmicos no debate político brasileiro atual, as emendas parlamentares se tornaram instrumento indispensável para o trabalho de prefeitos de municípios dos mais diversos portes de uns anos para cá.

    Além de repasses de recursos federais a partir do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), de transferências estaduais e de valores arrecadados por impostos locais, os chefes do Poder Executivo nas cidades dependem cada vez mais de valores repassados por deputados federais e senadores na forma de emendas ao Orçamento Público.

    Segundo dados levantados pela assessoria técnica do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), os valores repassados por congressistas aos entes subnacionais a título de emendas saltaram de R$ 3,4 bilhões para R$ 37,5 bilhões nos últimos 10 anos.

    O montante contempla as 4 modalidades de emendas existentes no período: 1) as individuais (RP6), que em 2015 passaram a ter execução obrigatória à atual proporção de 2% da Receita Corrente Líquida (1,55% para deputados e 0,45% para senadores); 2) as de bancada (RP 7), que também se tornaram obrigatórias, a partir de 2019, à proporção de 1% da RCL; 3) as de comissão (RP 8); e as de relatoria (RP 9), que foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023.

    No caso dos municípios, o levantamento mostra um claro aumento de importância das emendas parlamentares para as administrações locais quando comparadas a outras transferências discricionárias (ou seja, não obrigatórias) federais.

    Segundo o estudo, a soma das 4 modalidades de emendas (RPs 6, 7, 8 e 9) saíram de R$ 5 bilhões em 2016, atingiram R$ 7,8 bilhões em 2019 e dispararam para R$ 23,7 dois anos depois. Agora elas somam R$ 28,8 bilhões.

    Já outras transferências discricionárias federais somavam R$ 9,2 bilhões em 2016, bateram o ápice de R$ 27 bilhões em 2020 e agora respondem por R$ 11,1 bilhões. Um claro sinal da maior dependência de prefeitos em recursos repassados pelos representantes do Poder Legislativo. Parcela expressiva deste montante é usada pelos gestores do Poder Executivo para custeio da máquina pública e investimentos.

    O total de recursos transferidos aos Estados a título de Fundo de Participação dos Estados (FPE) em 2023 foi de R$ 129,3 bilhões, ao passo que as emendas correspondentes a esses entes foram de R$ 4,5 bilhões no mesmo exercício, o que representa quase 3,5% desses recursos.

    No caso dos Municípios, o montante de emendas transferido foi da ordem de R$ 23,1 bilhões em 2023, algo em torno de 15,2% dos repasses totais a título de Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ─ 152,2 bilhões no mesmo ano.

    O levantamento também mostra que as emendas parlamentares atenderam cerca de 5.458 municípios (ou seja, 99,5% do total) em 2024, com valores per capita a uma média de R$ 236,22 (mas desvio padrão de R$ 227,59, indicando ainda grande dispersão).

    Tais repasses se mostram ainda mais relevantes nos pequenos municípios (com menos de 5 mil habitantes), que recebem mais recursos per capita do que os maiores (R$ 355,8 contra R$ 105,2).

    O estudo indica que apenas os municípios maiores (com população acima de 50 mil habitantes), por explorarem mais a base tributária, possuem mais receita tributária por habitante do que recebem de FPM. Ou seja, possuem dependência menor dos repasses.

    Já no caso dos municípios menores, o valor empenhado total por conta das emendas supera os recursos recebidos por conta do FPM ─ em um claro sinal de dependência.

    “Conclui-se que os municípios de menor porte populacional e com maior vulnerabilidade social recebem, em geral, mais recursos por meio de emendas parlamentares, uma vez que o repasse das emendas tem sido feito prioritariamente a municípios menos populosos e com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)”, diz a nota.

    O estudo também faz uma correlação entre o montante recebido pelos municípios por emendas e repasses via Sistema Único de Saúde (SUS) e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A conclusão a que se chega nesses casos é que, quanto menor o município e mais baixo o IDH, maior a proporção das emendas sobre os valores totais recebidos.

    “Estudos adicionais são necessários para avaliar o impacto real dessas emendas na saúde e na educação da população municipal. Mas o que os dados indicam é que a destinação das emendas parlamentares per capita para financiar obras e projetos públicos nos estados e municípios está sendo focalizada nos municípios pequenos num percentual 50% superior que a média nacional (1,5 vezes maior), portanto fortemente progressiva”, pontua o estudo.

    Desde que foram proibidas as chamadas “emendas de relator” (RP 9), rubrica que ficou conhecida como “orçamento secreto”, a polêmica foi direcionada para outra modalidade de repasse: as chamadas “emendas PIX”, que dispensam critérios técnicos como a necessidade de convênio.

    Tal mecanismo foi criado em um contexto de dificuldades burocráticas para a execução de outras formas de emendas parlamentares, de modo a facilitar os repasses aos entes subnacionais (já que nas “emendas PIX”, os recursos caem diretamente no caixa do respectivo Estado ou Município).

    A polêmica, porém, consiste na falta de transparência para os repasses e eventual desrespeito à proporcionalidade das forças políticas nas casas legislativas. Problemas que se agravam com o uso cada vez mais frequente do instrumento.

    De 2020 (primeiro ano de vigência da modalidade) para cá, as “emendas PIX” saltaram de R$ 620 milhões para R$ 8,2 bilhões ─ uma explosão de 1.224%. Do total distribuído neste ano, R$ 6,9 bilhões foram destinados a investimentos e R$ 1,3 bilhão a outras despesas correntes dos entes beneficiários. Municípios abocanharam 88% de todo o montante.

    O deputado federal Pedro Paulo, que coordenou os estudos, reconhece os problemas relacionados ao que ele classificou como “déficit de transparência” das emendas parlamentares, mas ressalta que tal instrumento vem se fortalecendo “como um importante instrumento de política pública”.

    “São inegáveis o alcance e a capilaridade das emendas em seu conjunto (…). São repasses orçamentários voltados ao atendimento dos principais serviços à população (saúde, educação, urbanização, zoneamento e até mesmo, em alguns casos, trânsito e segurança), um exemplo claro da filosofia ‘menos Brasília, mais Brasil'”, afirmou.

    “Sem sombra de dúvidas, precisamos enfrentar esta discussão e aprofundar a análise acerca do papel e da efetividade dessas transferências quanto ao propósito constitucional de redução das desigualdades sociais e regionais, melhorando a eficiência e a qualidade do gasto público e não simplesmente, no propósito de livrar-se de algo secundário ou indesejado, perder-se também o valioso e essencial. Em outras palavras: don’t throw the baby out the bath water (‘não jogue o bebê junto com a água do banho fora’, em tradução livre)“, complementou.

    Na avaliação do parlamentar, a despeito do ganho de importância das emendas como ferramenta de política pública local, “a carência de um quadro organizado das necessidades públicas, com critérios de elegibilidade que oriente e coordene as escolhas dos beneficiários”, gera impactos negativos para os resultados de políticas e coloca, a seu ver de forma equivocada, tal instrumento como o foco do problema.

    No estudo, a equipe do gabinete de Pedro Paulo mostra que há 26 municípios que receberam neste ano recursos das emendas totais em valores superiores a 100% dos repasses de FPM ─ o que tende a provocar distorção entre os entes e indica um caminho necessário na busca de maior equilíbrio nos repasses às pequenas cidades.

    Os resultados da pesquisa também podem reforçar o impacto que as emendas parlamentares tiveram sobre os resultados das últimas eleições municipais, que foram marcadas por níveis recordes de reeleição, a uma taxa geral na casa de 70%.

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