“A verdadeira doença brasileira é a construção dessa identidade violenta”, diz psicanalista
Luciano Elia analisa como políticas de armamento e machismo estrutural influenciam a violência cotidiana e alerta para impactos na saúde mental coletiva
247 - Em uma entrevista ao programa Boa Noite 247, o psicanalista e ativista de direitos humanos Luciano Elia, professor titular do Mestrado em Psicanálise e Políticas Públicas do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), refletiu sobre os impactos sociais da expansão do armamento no Brasil. Durante a entrevista, Elia destacou como as políticas de incentivo ao porte de armas promovidas no governo de Jair Bolsonaro intensificaram uma cultura de violência, que afeta não só a segurança pública, mas também a saúde mental da população. “A verdadeira doença brasileira é a construção dessa identidade violenta”, afirmou.
Elia problematizou o aumento do porte de armas como um reflexo de ideologias que romantizam a agressividade e fortalecem padrões de masculinidade tóxica, enraizados no imaginário social brasileiro. Segundo ele, a política de flexibilização do porte, com destaque para a permissão concedida pelo certificado CAC (Colecionador, Atirador e Caçador), ampliou a posse de armas sem um controle efetivo e reforçou uma lógica de “recreação perversa”, onde a arma, longe de ser usada para o esporte ou caça, assume o papel de símbolo de poder. "É uma piada falar em uso recreativo para essas armas. Elas não caçam animais, mas sim os pobres e negros", afirmou o professor.
Com uma visão crítica, Luciano relaciona o aumento da violência com armas ao fortalecimento de um "homem comum brasileiro", cujo poder se expressa em atitudes violentas e machistas. O psicanalista destacou que essa “identidade” foi amplamente explorada e promovida por Bolsonaro, que soube explorar as características mais agressivas e misóginas de parte da sociedade. “Esse homem básico, machista e agressivo, que se reconhece no discurso do armamento e da violência, encontrou em Bolsonaro alguém que fala a sua língua, alguém que é parecido com ele", pontuou.
O psicanalista ressaltou ainda que a permissão indiscriminada para o porte de armas contribui para uma "política da morte", uma prática comum em ações policiais nas periferias e favelas, onde a justificativa é sempre o combate ao crime. Em seu trabalho como supervisor clínico no CAPS Neusa Santos Souza, no Rio de Janeiro, Elia presenciou a vulnerabilidade das comunidades diante do aumento da violência estatal. “A política pública sabe o que fazer para combater o crime, mas escolhe não fazê-lo”, criticou, questionando o interesse real do Estado em resolver as causas do crime e da violência urbana.
Para Luciano Elia, a regulação das armas no Brasil precisa ir muito além de restrições técnicas. Segundo ele, o foco deve estar em desconstruir essa masculinidade tóxica e violenta que permeia o tecido social brasileiro. "O verdadeiro problema não está apenas nas armas, mas na identidade violenta e agressiva que a sociedade brasileira valoriza”, concluiu o psicanalista, alertando para a necessidade de uma transformação social e cultural para reduzir o impacto devastador da violência armada na saúde mental e na segurança coletiva.
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