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      “Estamos assistindo à queda de um dos pilares do neoliberalismo”, diz especialista

      James Onnig alerta para os impactos geopolíticos da nova ofensiva tarifária dos Estados Unidos e defende uma resposta estratégica e multilateral do Brasil

      (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque | Divulgação )
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      247 - Em entrevista ao Boa Noite 247, o professor James Onnig avaliou a nova onda de tarifas impostas pelos Estados Unidos a produtos de diversos países, incluindo o Brasil, e classificou as medidas como um divisor de águas na geopolítica internacional. Para ele, trata-se de um ataque direto à ordem multilateral construída após a Segunda Guerra e consolidada com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC). “Estamos assistindo à queda de um dos pilares do neoliberalismo”, afirmou.

      A partir de quarta-feira (2), o governo norte-americano aplica tarifas significativas contra produtos estrangeiros. Onnig destacou que a reação brasileira — com a aprovação no Senado de um projeto que autoriza retaliações comerciais sob o princípio da reciprocidade — é um passo necessário diante da gravidade do cenário. “É um bom começo para uma fase difícil que vem por aí. O agro, a oposição, todos estão sendo obrigados a compor uma frente mais ampla para enfrentar esse gigante em decadência que está atirando para todos os lados”, declarou.

      Segundo Onnig, a guinada protecionista dos EUA remete às primeiras décadas do século XX, quando o país adotou políticas tarifárias rígidas como motor de crescimento econômico. “Grande parte do sucesso dos Estados Unidos se deve a tarifas e leis protecionistas extremamente rigorosas nos trinta primeiros anos do século XX”, explicou. A diferença, observa, é que o atual contexto internacional é marcado por uma profunda interdependência econômica e institucional, o que torna as consequências mais amplas e imprevisíveis.

      O professor sustenta que os Estados Unidos estão buscando corroer os fundamentos da governança multilateral. “Eles insistem em levar tudo para o campo das negociações bilaterais. Assim, conseguem pressionar os países individualmente e impedem que exerçam força em bloco contra Washington. Isso é muito grave”, alertou. Segundo ele, as medidas podem provocar desde recursos à OMC até boicotes comerciais. “Alguns países devem recorrer aos tribunais arbitrais da OMC. Outros talvez declarem uma guerra comercial ou até boicotem mercadorias americanas, conforme o impacto dessas medidas na economia deles.”

      Sobre o futuro da OMC, Onnig avalia que um crescimento no número de disputas e contestações poderá forçar a reativação do organismo. “Ela vai ter que ser ‘ressuscitada’ para dar solução aos problemas mais básicos que são esses produtos de grande escala. Ferro, alumínio, algodão… Isso impacta a indústria de base. Não pode demorar anos para ser resolvido”, disse. Caso contrário, advertiu, a tendência é um retrocesso de décadas. “Começam as barreiras por cota, as barreiras não tarifárias… É um retrocesso de mais de 60 anos.”

      Onnig também vê implicações para além da economia. Para ele, a nova postura norte-americana alimenta movimentos nacionalistas e fortalece a extrema direita global. “Eles estão vestindo essa camiseta do ‘nós contra o mundo’. E esse nacionalismo dos Estados Unidos é o fomento da extrema direita mundial.”

      Na avaliação do professor, uma escalada militar em nível global ainda parece distante, mas a indústria bélica tende a se beneficiar da atual tensão. “Antes de uma guerra formal, deve haver o reaquecimento da indústria armamentista mundial.” Ele ressalta que a China é hoje o principal fator de contenção de conflitos armados, por razões estratégicas. “Para a China, não há interesse na explosão de um grande conflito armado. Eles atuam para apaziguar regiões porque têm interesses econômicos pesadíssimos.”

      A respeito da posição brasileira, Onnig destacou a importância de manter negociações, mas alertou que o país precisa estar preparado para agir estrategicamente caso seja necessário. “A diplomacia internacional vai começar a desenhar novos acordos comerciais. Essas tarifas podem dinamizar a tentativa de criar uma outra economia, menos dependente dos Estados Unidos. É isso que eu torço”, afirmou.

      Onnig elogiou a recente aprovação, no Congresso, de um marco legal para retaliações comerciais, classificando-a como uma resposta pragmática e necessária. “Eu acho uma iniciativa bastante positiva e vem justamente num momento político em que estamos querendo redesenhar o país por dentro, com uma base mais forte”, disse. Segundo ele, mesmo setores tradicionalmente alinhados à direita, como o agronegócio, reconhecem a urgência de uma resposta coordenada.

      O professor também comentou as próximas viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rússia e à China, avaliando que esses compromissos simbolizam a consolidação da política externa brasileira voltada ao fortalecimento do Sul Global. “Essas viagens, particularmente à Rússia, têm muito significado. É uma forma de recompensar a ausência na cúpula dos Brics em Kazan e sinalizar uma reaproximação estratégica”, disse.

      Segundo Onnig, o Brasil precisa manter uma postura de igualdade com a China nas relações bilaterais, evitando assimetrias. “Temos que trabalhar de igual para igual com a China para que não haja desequilíbrio, porque não somos uma China, temos muitas dificuldades internas. Mas a diplomacia brasileira soube estabelecer uma boa relação com o Sul Global e isso abriu portas para os chineses também.”

      Por fim, ao comentar o impacto diplomático das visitas de Lula, Onnig disse acreditar que elas podem alterar o atual padrão de desprezo com que o governo Trump trata o Brasil. “A volta dessa viagem é que vai imprimir uma nova visão sobre o Brasil — ou não. Mas tenho certeza de que isso vai repercutir em Washington. Os Brics não são aquele deboche que Trump fez no primeiro dia de governo. Eles são algo muito sério e estão estabelecendo parâmetros novos que precisam ser respeitados.” Assista: 

       

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