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    “Estamos pagando agora o preço por não termos julgado os torturadores da ditadura”, diz jurista

    Jurista Roberto Tardelli afirma que julgamento dos golpistas de 8 de janeiro corrige omissões históricas da transição democrática no Brasil

    (Foto: Rosinei Coutinho/STF | Reprodução )
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    247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o jurista e ex-promotor público Roberto Tardelli analisou os desdobramentos do julgamento dos acusados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, no Supremo Tribunal Federal (STF). Tardelli afirmou que o país está, finalmente, realizando o julgamento que deveria ter ocorrido em 1985, ao final da ditadura militar. “Estamos fazendo agora o que deveríamos ter feito lá atrás”, declarou, criticando o perdão institucional aos crimes do regime e a persistência da impunidade como traço da história brasileira.

    Segundo ele, o processo em curso representa um marco jurídico e político inédito: “Nunca houve um processo com tanto bacharel por metro quadrado”, ironizou. Tardelli criticou a forma como as defesas dos acusados se estruturam apenas em questões formais, sem enfrentar o mérito dos crimes. “Nenhum advogado negou a materialidade do golpe. O discurso é sempre: ‘meu cliente é bonzinho’, ‘foi ingênuo’, ‘não sabia’. Mas todos sabem o que estavam fazendo.”

    Ele usou uma metáfora contundente para ilustrar a gravidade dos atos: “Imagine que você fica balançando um edifício para ele cair. O crime não é o edifício cair, mas o ato de balançar. Eles balançaram o edifício da democracia. Se ele ruísse, cairiam com ele todos os direitos que conquistamos a duras penas.”

    Tardelli destacou que a intenção do golpe era eliminar direitos e garantias fundamentais. “Quem fosse trabalhador perderia o 13º, a hora extra, os direitos trabalhistas. A saúde pública seria privatizada. A Amazônia viraria um pasto, o direito do consumidor desapareceria, e as proteções às mulheres, crianças e à população LGBTQIA+ seriam extintas.”

    "Não há defesa de mérito. Só negação da responsabilidade"

    O jurista sublinhou que nenhuma defesa apresentou contestação efetiva sobre a existência de um plano golpista. “Não houve um único argumento de que não existiu conspiração. O que se viu foi a tentativa de dar valor jurídico a desabafos, telefonemas e choro com irmãos. Mas o que vale é o que está nos autos, diante do ministro, do procurador-geral, do advogado.”

    Ele também alertou para a fragilidade das testemunhas arroladas pelos réus: “São pessoas para falar que o acusado é trabalhador, pai de família, bom vizinho. Mas não há como testemunhar um fato negativo, como ‘ele não tramou’. Ninguém pode garantir isso sem estar com ele 24 horas por dia.”

    Tardelli prevê que a instrução do processo será rápida: “Os ministros querem ouvir, registrar e julgar. A estrutura do Supremo está toda mobilizada para isso. Eu acredito que em seis meses teremos um processo encerrado, julgado e transitado em julgado.”

    "O Bolsonaro palanqueiro vai desaparecer"

    Ao analisar a situação de Jair Bolsonaro, Tardelli foi direto: “O Bolsonaro desafiador, de palanque, esse vai desaparecer. O advogado dele já deve ter dito: ‘compadre, cala a boca’. Qualquer tentativa de interferência nas testemunhas pode configurar coação e levar à prisão preventiva.”

    Ele alertou que o ex-presidente vive um momento de isolamento político e jurídico: “Ele não tem passaporte, não pode sair do país. Fugir agora seria o fim do bolsonarismo. Uma desmoralização completa.”

    "Escapamos de um retrocesso secular"

    Tardelli criticou a banalização dos atos de 8 de janeiro por parte dos bolsonaristas. “Eles criaram a caricatura de que eram velhinhas com Bíblia na mão. Mas não tem velhinha nenhuma. Foram 497 condenações até agora. Só sete pessoas com mais de 70 anos. O resto é gente ativa, que sabia o que fazia.”

    Ele afirmou que a tentativa de golpe representava uma ameaça civilizatória: “Escapamos de um retrocesso secular. Aquilo não era só uma disputa política, era o projeto de destruição do Estado de Direito.”

    "Falta a Justiça Militar fazer sua parte"

    O jurista voltou a questionar a existência de uma Justiça Militar em tempos de paz. “Ela só serve para proteger maus militares. Quantos foram condenados por crimes como o fuzilamento do músico Evaldo dos Santos? Nenhum.”

    Para ele, é hora de julgar também os militares envolvidos. “Quando o Bolsonaro e os generais forem condenados no tribunal comum, a Justiça Militar vai se mexer, porque até agora só chuta cachorro morto.”

    "Criamos a cultura do arquivamento"

    Tardelli aproveitou para refletir sobre o legado da ditadura militar e o silêncio institucional diante dos crimes cometidos. “Criamos uma cultura de arquivamento. Nunca julgamos os torturadores. A anistia foi feita para proteger os criminosos do regime. Agora pagamos o preço disso com milícias, violência policial e desrespeito à democracia.”

    Ele anunciou o lançamento do livro Nada mudou: a injustiça no Brasil, no dia 31 de março, na PUC-SP, data em que o Clube Militar do Rio de Janeiro promoverá um ato de celebração ao golpe de 1964. “Enquanto eles comem camarão e brindam com vinho, vamos lembrar das vítimas, das crianças presas, dos pais torturados. Não podemos naturalizar essa celebração da violência.” Assista: 

     

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