Em entrevista exclusiva, líder interino de Bangladesh vê sistema global como 'suicida' e diz que Ásia guiará reconstrução
Vencedor do Nobel da Paz e atual conselheiro-chefe do governo de seu país, Muhammad Yunus prega "novo modelo de civilização" e alerta para colapso iminente
Por Guilherme Paladino, de Hainan (China), para o 247 - Em um momento de grande transformação para Bangladesh, o economista Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz e atual chefe do governo interino de seu país, compartilhou sua visão sobre os desafios econômicos, políticos e ambientais que moldam o presente e o futuro não só de sua região, mas também de toda a sociedade global.
Durante sua estadia na China para uma participação no Fórum Boao para a Ásia, realizado na província de Hainan nesta semana, Yunus concedeu uma entrevista exclusiva a um seleto grupo de jornalistas envolvendo o 247 e outros veículos da Ásia e Leste Europeu, abordando temas como a reconstrução de Bangladesh, a necessidade de reformar o sistema financeiro mundial e o papel da seu continente neste contexto de mudanças e turbulências diplomáticas.
Reconstrução de Bangladesh
A chegada de Yunus ao governo interino de Bangladesh se deu após um levante popular e estudantil que levou à queda do governo de Sheikh Hasina no ano passado. Desde então, sua missão tem sido preparar o país para um novo começo. "Nosso primeiro trabalho é restaurar a economia, destruída, e reformar as instituições, também destruídas", afirmou.
Para garantir que essa reconstrução seja democrática, Yunus propôs um acordo multipartidário, que resultará num documento chamado de a Carta de Julho (July Charter). "Criamos uma série de comissões de reforma – no total, são 15 comissões lideradas por figuras importantes do país. Essas comissões já entregaram seus relatórios. Após oito meses, começamos a divulgar os relatórios para os partidos políticos e para o público, para que todos conheçam as recomendações feitas. Estamos pedindo a todas as partes que digam o que aceitam e o que não aceitam nas novas políticas. Então, vamos preparar este novo documento com todas as propostas aceitas pela maioria e pedir que assinem. Vamos implementar essas medidas enquanto nos preparamos para as eleições", explicou.

O processo eleitoral está previsto para ocorrer entre dezembro de 2025 e junho de 2026, com a possibilidade de o governo interino permanecer por mais seis meses, caso haja demanda popular por mais reformas. "Queremos dar o poder ao povo", ressaltou Yunus, destacando que a transição precisa ser pacífica e democrática.
Críticas ao sistema financeiro global
O criador do conceito de microcrédito e fundador do Grameen Bank fez duras críticas à estrutura do sistema financeiro global, que, segundo ele, "está construído de forma errada e deve ser redesenhado".
"Os de baixo são os que mais precisam de acesso ao crédito, mas o sistema os nega, especialmente as mulheres", afirmou Yunus. "Nosso modelo [de microcrédito] provou que mulheres muito pobres podem iniciar negócios com pequenos empréstimos, gerando uma cultura de empreendedorismo. No entanto, o sistema financeiro tradicional continua o mesmo e não atende a essa realidade. Os ricos são os que conseguem acesso ao crédito e à riqueza, enquanto os pobres são excluídos disso."
Yunus defende uma reestruturação do modelo econômico global para que ele seja mais inclusivo e sustentável, tanto do ponto de vista social quanto ambiental.
A importância da Ásia em um mundo em transformação
No contexto do Fórum Boao, que teve como tema "Ásia em um Mundo em Mudança: Rumo a um Futuro Compartilhado", Yunus destacou o papel central que o continente deve desempenhar na redefinição da governança global.
"A Ásia deve se adaptar ao mundo, mas o mundo também deve se adaptar à Ásia. O mundo cresceu sem a Ásia. Quando o mundo moderno foi construído, todas aquelas mega instituições que o moldaram não incluíam muito a Ásia. A Ásia de hoje é uma Ásia muito diferente. Por isso, para mim, é algo muito importante: o mundo no contexto de uma Ásia em transformação. A Ásia está mudando por causa da tecnologia, por causa da juventude. É por isso que a questão da juventude se torna tão desafiadora.", afirmou.

"Agora temos tecnologia e uma nova juventude, que é muito diferente das anteriores. A juventude deve assumir a liderança na construção de um novo modelo de civilização", refletiu.
O risco do colapso civilizacional
Yunus também fez um alerta sobre os perigos da atual trajetória global. "Nosso sistema atual é suicida. Todos estão correndo para o suicídio", afirmou.
Ele destacou a crise climática como um dos principais fatores de risco para o futuro da humanidade. "Se não fizermos algo rapidamente, vamos desaparecer. Estamos destruindo o planeta todos os dias." Além disso, criticou a concentração de poder econômico em poucas nações e corporações. "Poucos países e empresas estão se movendo muito rápido, enquanto a maioria fica para trás. Esse sistema não pode se sustentar e vai entrar em colapso."
Para Yunus, a única saída é uma reformulação completa dos paradigmas atuais. "Temos que redesenhar o sistema, criar um novo modelo de civilização, onde possamos construir o mundo que queremos, e não simplesmente aceitar o mundo que herdamos."
Cooperação internacional e o papel da China
Durante o Fórum Boao, Yunus destacou a necessidade de uma maior cooperação internacional para enfrentar os desafios globais. "Os pequenos países precisam ser ouvidos. A reforma das Nações Unidas é uma pauta antiga, mas nunca sai do papel. Precisamos levantar nossas vozes para mudar isso."
Ele também reconheceu o papel da China na construção de um mundo multipolar. "A China tem um papel muito grande para acabar com o unilateralismo. Precisamos de um sistema global mais equilibrado."

O futuro de Bangladesh
Enquanto Bangladesh se prepara para um novo ciclo político e econômico, Yunus enfatiza que o foco deve ser a inclusão social e a sustentabilidade. "Se seguirmos pelo caminho da violência, tudo será destruído", alertou, referindo-se aos conflitos que levaram à queda do governo anterior.
À medida que Bangladesh avança para as eleições, o mundo observará como as ideias do Nobel da Paz poderão moldar não apenas o futuro de seu país, mas também oferecer um modelo alternativo para um sistema global que, segundo ele, está à beira do colapso.
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