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    Caso Marielle precisa desmantelar redes milicianas no Rio de Janeiro, diz ONG Justiça Global

    Para Gláucia Marinho, além de resultar na prisão de culpados, julgamento deve levar ao desmanche de grupos criminosos

    Familiares de Marielle Franco (Foto: Reprodução/GloboNews)

    Por Letycia Holanda, do Brasil de Fato - "É difícil falar em justiça, pois Marielle deveria estar aqui, viva e atuando politicamente com sua vida íntegra. A partir da violação que ela sofreu, esperamos que esse julgamento – e o futuro julgamento dos mandantes – além de resultar no aprisionamento dos culpados, leve ao desmanche da organização criminosa sediada no Rio de Janeiro", afirma Gláucia Marinho, diretora-executiva da ONG Justiça Global, integrante do Comitê Justiça por Marielle.

    Seis anos e sete meses após o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, os ex-sargentos da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro Ronnie Lessa e Élcio Queiroz foram condenados pelo homicídio em um júri popular, nesta quinta-feira (31). Lessa recebeu uma sentença de 78 anos e 9 meses de prisão, enquanto Queiroz foi condenado a 59 anos. Ambos terão de pagar pensões e indenizações de R$ 706 mil aos familiares das vítimas.

    O julgamento expôs, mais uma vez, a ligação entre milícias e estruturas de poder no Rio de Janeiro, revelando uma rede de corrupção e violência que persiste, apesar das denúncias. O episódio desta sexta-feira (1) do podcast Três Por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato e apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Nicolau Soares, discute os novos desdobramentos do caso, as recentes condenações, o poder das milícias e a importância da mobilização popular na busca por justiça.

    Segundo João Pedro Stédile, comentarista-fixo do podcast e líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), "a justiça nunca será alcançada, pois as vidas não voltarão", mas o processo e o encarceramento dos réus servem para mostrar que "não há impunidade para futuros pistoleiros".

    Além de Gláucia Marinho e Stédile, o episódio conta com Carolina Christoph Grillo, professora e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI) da Universidade Federal Fluminense (UFF), para discutir as dinâmicas de poder que sustentam o domínio das milícias no Estado.

    Marielle, vereadora pelo Psol, foi brutalmente assassinada em 14 de março de 2018, ao retornar de um encontro de mulheres negras na Lapa, no Rio de Janeiro. No ataque, seu motorista, Anderson, também foi atingido e morreu. Fernanda Chaves, assessora da vereadora, foi ferida por estilhaços, mas sobreviveu. Os três foram surpreendidos por Lessa e Queiroz, que alvejaram o carro onde estavam.

    O crime foi meticulosamente planejado durante três meses, de acordo com o Ministério Público do Rio de Janeiro. Marielle, uma voz ativa contra as milícias e as irregularidades fundiárias, tornou-se uma ameaça direta aos interesses dos irmãos Chiquinho Brazão, ex-deputado estadual, e Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), apontados como mandantes do crime pelos atiradores.

    "É muito importante que esse julgamento esteja finalmente acontecendo. Afinal, eles são réus confessos de um crime brutal, e há uma sensação de justiça, mas que ainda depende da responsabilização dos mandantes do crime", diz Carolina.

    Gláucia reforça a importância do combate a grupos milicianos, não apenas para condenar e responsabilizar todos os envolvidos neste caso, mas para que "os seis anos de espera e de luta por justiça sirvam para que crimes como o que ocorreu contra Marielle e Anderson não se repitam".

    Estado e milícias: um pacto sombrio

    A relação entre o poder estatal e as milícias é um ponto-chave na investigação do caso Marielle. As milícias do Rio de Janeiro atuam além do controle armado de territórios, configurando um "urbanismo miliciano", que combina o poder econômico com a gestão de áreas urbanas. Conforme apurou a Polícia Federal, os irmãos Brazão, se beneficiaram diretamente dessa rede de grilagem e ocupação de terras públicas, áreas muitas vezes "legalizadas" pela própria Câmara Municipal, na qual têm aliados próximos.

    Para Stédile, a atuação das milícias na cidade expõe a fragilidade da fiscalização pública. "O caso Marielle simboliza não apenas a omissão do Estado, mas sua aliança com grupos que o utilizam para seus próprios interesses", afirma.

    Nesse contexto, Carolina reforça como as ações milicianas em terras cariocas, além de criminosas, fazem parte da questão fundiária, potencializada pelo déficit habitacional no Rio de Janeiro. Ela alerta para a gravidade dessa dinâmica: "A presença do Estado em territórios controlados por milícias é marcada pela conivência e, em muitos casos, pela participação ativa de agentes públicos que colaboram diretamente com esses grupos criminosos."

    Segundo a liderança do MST, o caso Marielle deveria conscientizar a população sobre "crimes políticos encomendados". Stédile observa que essa estrutura se alimenta da ausência de políticas públicas efetivas e da cooptação de agentes do Estado, desde policiais até legisladores.

    "No Rio de Janeiro, crimes encomendados, disputas de território e até mesmo os negócios das milícias já são vistos como parte da rotina. Precisamos analisar profundamente por que o Estado não apenas permite, mas, às vezes, também colabora com esses grupos", aponta ele.

    Legado de Marielle

    Nascida e criada no Complexo da Maré, Marielle foi uma figura central na política carioca e nacional, destacando-se por sua atuação em defesa de mulheres, negros, LGBTQIAPN+ e moradores de favelas. Algumas das pautas defendidas pela vereadora incluíam a preservação de áreas cuja exploração era inapropriada, a destinação à moradia popular de terras ociosas ocupadas por famílias em situação de rua e a manutenção de espaços onde minorias fossem ouvidas e assistidas. 

    A mobilização em torno de sua memória ultrapassou fronteiras e consolidou-se como uma defesa coletiva da democracia e dos direitos civis. Gláucia enfatiza: "A luta por justiça para Marielle é também uma luta pelo direito à vida, à moradia digna e à participação política de todas as pessoas, especialmente de mulheres, negros e moradores de favelas". O caso atraiu atenção internacional e evidenciou a urgência de medidas para proteger políticos que enfrentam o poder das milícias.

    A diretora da Justiça Global destaca que a condenação dos assassinos de Marielle e Anderson pode não encerrar totalmente do caso, mas sim um marco para as famílias e para a sociedade civil, que lutam para que tais crimes não fiquem impunes. "Esperamos que a condenação não seja apenas uma resposta imediata, mas que ajude a desmantelar as estruturas criminosas que operam nas entranhas do Estado", conclui Gláucia.

    Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

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