Decisão do STF garante mais atendimentos a pessoas trans no SUS
De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a prestação de serviço para essa parcela da população deve ocorrer, “independentemente do registro do sexo biológico”
Conjur - A falta de acesso de pessoas trans a serviços de saúde referentes ao seu sexo biológico viola os direitos sexuais e reprodutivos dessa parcela da população.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o Ministério da Saúde deve alterar todos os seus sistemas, de forma a garantir marcações de consultas e exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de todas as especialidades médicas, “independentemente do registro do sexo biológico”.
O colegiado também estabeleceu que a pasta deve informar os ajustes e prestar suporte a secretarias estaduais e municipais de Saúde, outros órgãos e instituições integrantes do SUS nessa adaptação.
Prevaleceu no julgamento o voto do relator da matéria, ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo. Ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luiz Fux, André Mendonça e Nunes Marques, além de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski (ambos já aposentados). Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso e a ministra Cármen Lúcia divergiram apenas parcialmente do voto do relator.
Histórico
A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi apresentada em 2021 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que apontou obstáculos no acesso de transexuais e travestis ao atendimento pelo SUS.
Segundo a legenda, pessoas trans que alteram o nome de registro civil não obtinham acesso a serviços de saúde referentes ao seu sexo biológico.
Ou seja, homens transexuais com nome social retificado e aparelho reprodutor feminino não conseguiam consultas e tratamentos com ginecologistas e obstetras. Da mesma forma, mulheres trans com órgãos reprodutores masculinos não tinham acesso a urologia e proctologia. O partido argumentou que isso viola o direito à saúde, à igualdade e à dignidade da pessoa humana.
Outro problema apontado pela agremiação era a impossibilidade de registro, na DNV, dos nomes dos pais de acordo com sua identidade de gênero, independentemente de ter feito o parto.
Naquele mesmo ano, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar para determinar que o Ministério da Saúde adotasse medidas necessárias para garantir o agendamento de consultas no SUS em especialidades como ginecologia, obstetrícia e urologia para pessoas de qualquer identidade de gênero.
Ele ainda ordenou a alteração do layout da DNV para possibilitar o registro dos dados com ou sem os nomes dos genitores de acordo com sua identidade de gênero.
Poucos meses depois, a ação foi levada para julgamento virtual do Plenário, mas Nunes Marques pediu destaque para que a discussão acontecesse em sessão presencial. No último dia 12, o pedido de destaque foi cancelado e a ação voltou a ser pautada no Plenário Virtual.
Voto do relator
Gilmar manteve o entendimento manifestado em sua liminar. O relator concordou que os fatos apontados pelo PT “violam os direitos fundamentais das pessoas transexuais, especialmente em relação aos seus direitos sexuais e reprodutivos”.
Ele recordou que a Constituição e a Lei do Planejamento Familiar garantem o acesso de todos, com igualdade, a programas de saúde voltados aos direitos sexuais e reprodutivos.
Segundo o magistrado, é “fundamental eliminar obstáculos burocráticos que possam causar constrangimento à pessoa e atraso no acesso à prestação de saúde”.
Para Gilmar, as informações prestadas pelo Ministério da Saúde e pela Advocacia-Geral da União em 2021, durante a gestão do então presidente Jair Bolsonaro, foram, “no mínimo, obscuras” e insuficientes para “afastar a caracterização das falhas procedimentais alegadas”.
Com base nessas informações, o ministro concluiu que os principais sistemas usados pelo SUS para agendamento de consultas e tratamentos eram incompatíveis com as solicitações feitas por pacientes transgênero que retificaram registro civil.
“Essa realidade burocrática acaba por se afigurar atentatória ao direito social à saúde que é assegurado na Constituição a todas as pessoas”, assinalou Gilmar. “Trata-se de direito universal, igualitário e gratuito, não comportando exclusão em razão da identidade de gênero”.
Quanto ao ajuste na DNV, o decano do STF afirmou que a União, em manifestação recente, comprovou ter feito as alterações pertinentes em seus sistemas para garantir o respeito à identidade de gênero dos genitores. Por isso, considerou que a ação perdeu o objeto nesse ponto “por alteração substancial do quadro fático”.
Divergência
O ministro Edson Fachin acompanhou Gilmar quanto ao ponto principal, mas discordou com relação à DNV. Ele votou a favor de adaptações no documento: a substituição do termo “mãe” por “parturiente” e do termo “pai” por “responsável legal”.
Fachin explicou que o governo federal alterou a tabela de procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais do SUS, de forma a incluir o atributo “ambos” para os procedimentos antes associados de forma exclusiva aos sexos feminino ou masculino.
Na visão do ministro, as alterações apresentadas não esgotam o objeto da ação, pois ela não foi proposta contra alguma lei ou algum ato normativo específico.
“Não há que se falar em perda superveniente de objeto, pois não há propriamente alteração, muito menos a revogação de ato normativo impugnado nos autos”, assinalou ele.
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