TV 247 logo
    HOME > Sul Global

    Trump não conseguirá reconstruir a indústria dos EUA com tarifas, aponta analista geopolítico indiano

    Retórica protecionista esbarra em décadas de desindustrialização, diz S.L.Kanthan

    Presidente dos EUA, Donald Trump - 13/03/2025 (Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein)
    Redação Brasil 247 avatar
    Conteúdo postado por:

    247 – As promessas do ex-presidente Donald Trump de “tornar a manufatura grande novamente” (Make America Great Again, ou MAGA) estão de volta à tona com sua tentativa de retornar à Casa Branca. A retórica é conhecida: tarifas maiores, guerra comercial contra a China e uma suposta revitalização industrial. No entanto, como aponta o analista geopolítico S.L. Kanthan em artigo publicado originalmente no Substack, essas propostas ignoram transformações estruturais profundas na economia dos Estados Unidos e do mundo.

    Três obstáculos intransponíveis

    Kanthan identifica três razões centrais para o fracasso de Trump – e de qualquer outro presidente – em restaurar a era dourada da indústria americana:

    1.  Wall Street e o domínio financeiro
    2.  Falta de trabalhadores qualificados e infraestrutura decadente
    3.  Supremacia industrial da China

    Desde o auge em 1979, o setor manufatureiro norte-americano perdeu um terço dos empregos. Hoje, responde por apenas 10% do PIB dos EUA. Enquanto isso, a China dobrou a participação dos Estados Unidos em valor agregado industrial global. O declínio é particularmente dramático no aço, setor símbolo do poderio americano do pós-guerra, cuja fatia na produção mundial caiu de 50% para apenas 4%.

    Neoliberalismo e a decadência industrial

    Para Kanthan, o desmonte da capacidade produtiva dos EUA tem um responsável ideológico claro: o neoliberalismo, vendido nos anos 1980 como “Reaganomics” e “Thatcherismo”. A lógica do lucro máximo levou à substituição de fábricas por serviços financeiros e de tecnologia. Empresas passaram a priorizar recompensas aos acionistas – com trilhões de dólares gastos em recompras de ações e dividendos – em detrimento de investimentos em pesquisa, capacitação de trabalhadores e modernização fabril.

    “A consequência é trágica”, escreve Kanthan. “Mesmo o complexo industrial-militar dos EUA hoje depende de fornecedores chineses para produzir mísseis e caças.” Em contraste, a China possui capacidade de construção naval 270 vezes maior que a americana.

    Infraestrutura precária e falta de mão de obra

    Outro obstáculo é físico. A infraestrutura dos EUA está obsoleta. “Cerca de 45 mil pontes são estruturalmente deficientes”, aponta o autor. Um vídeo mencionado mostra um trem de carga tentando atravessar trilhos tortuosos – uma imagem de país do chamado “quarto mundo”. Enquanto isso, a China possui 45 mil km de trens de alta velocidade.

    A escassez de trabalhadores qualificados agrava o cenário. Apenas 8% da força de trabalho americana atua na manufatura, e menos de 5% em funções técnicas. “Ouça Tim Cook, CEO da Apple, explicar por que a empresa prefere fabricar na China. A razão não é apenas o custo.”

    Tarifas não funcionam

    As tentativas de Trump durante seu primeiro mandato ilustram a ineficácia do protecionismo. As tarifas sobre aço e alumínio geraram apenas um aumento temporário na produção e empregos, que logo retornaram ao patamar anterior. No caso do alumínio, a produção em 2023 foi 70% menor que a de 2012.

    Além disso, a guerra comercial com a China falhou. O superávit comercial chinês mais que dobrou desde 2017, atingindo quase US$ 1 trilhão. A China redirecionou suas exportações para parceiros da ASEAN e da Iniciativa do Cinturão e Rota, tornando-se cada vez menos dependente dos EUA, que hoje representam apenas 10% do comércio exterior chinês.

    O dilema do dólar

    Kanthan também destaca a contradição nas ideias de Trump sobre comércio e o dólar. Para que a moeda americana permaneça como reserva global, os EUA precisam manter déficits comerciais, fornecendo dólares ao mundo. Assim, atacar as importações compromete justamente a posição privilegiada da moeda. “Trump reconheceu que os EUA seriam um país do terceiro mundo sem o privilégio do dólar.”

    Propostas para um recomeço industrial

    Apesar do tom crítico, o autor sugere caminhos para uma possível recuperação industrial:

    •  Substituir tarifas por subsídios e cortes tributários atrelados à produção e ao emprego;
    •  Proibir recompras de ações, incentivando reinvestimentos;
    •  Focar em educação técnica e vocacional;
    •  Atrair empresas chinesas para produzirem nos EUA, replicando a estratégia que a China adotou com multinacionais americanas nos anos 1990.

    “Boa sorte, América!”, conclui Kanthan, com ironia, lembrando que o país já foi uma potência industrial e pode recuperar parte de sua força – mas não com as ferramentas obsoletas do passado.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados