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Boaventura de Sousa Santos

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COP 532

COP 16 reforça lutas indígenas e afrodescendentes por justiça ambiental e autonomia; articulação com a Colômbia fortalece demandas sociais e ecológicas globais

Cop16 na Colômbia (Foto: Luisa Gonzalez / Reuters)

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Quem, como eu, assistiu ao nascimento da Convenção da ONU sobre a biodiversidade, no Rio de Janeiro, em maio de 1992, e acompanhou seu desenvolvimento ao longo dos últimos trinta anos, refletido nas sucessivas COPs (Conferência das Partes), tende a observar com crescente distanciamento e ceticismo cada nova COP (sempre com a notável ausência dos EUA). Coincidentemente, estive em Cali, Colômbia, durante a COP 16 (segunda quinzena de outubro). O objetivo da minha visita era confraternizar com alguns movimentos sociais que organizaram a grande explosão social de resistência em 2021, com a qual estive profundamente envolvido, especialmente no Puerto Resistencia (antes conhecido como Puerto Rellena). Foi lá que a população em luta erigiu o anti-monumento "Monumento a la Resistencia", uma escultura construída coletivamente, com quase dez metros de altura, representando a mão do Kay Kimi Ktachi, deus maia da guerra, segurando a placa “Resiste”. O monumento foi recentemente reconhecido pelo governo colombiano como patrimônio nacional, o que pode ajudar a protegê-lo das várias tentativas de forças de direita e extrema-direita de derrubá-lo.

A COP 16 teve a seu favor o fato de ocorrer no país cujo presidente possui a mais informada e exigente consciência sobre o iminente colapso ecológico, onde movimentos e organizações, tanto indígenas quanto afrodescendentes (a vice-presidente, Francia Marquez, é afrodescendente), vivem intensamente a guerra do atual modelo de desenvolvimento econômico contra a natureza. Não surpreende que o tema geral da COP fosse “Paz com a Natureza”.

Observando as organizações do Norte global que participam e dominam esse tipo de reunião, é fácil concluir que a COP 16 foi mais do mesmo, já que a prioridade tem sido sempre preservar a continuidade do capitalismo global e encontrar na crise ecológica novas oportunidades de negócio. Podem ocorrer concessões, mas elas são mais retóricas que reais. Algumas são, de fato, um exercício de hipocrisia, como a substituição do termo “créditos de carbono” por “créditos da natureza”. Mas, como em outros eventos internacionais, a realidade ou eficácia da COP 16 não se reduz ao que oficialmente (não) foi discutido e (não) decidido. Inclui tudo que aconteceu ou foi possibilitado dentro e fora dos marcos institucionais. Esta foi a “COP do povo” devido à participação massiva de organizações e movimentos populares (a “zona verde” da COP), que usaram o evento para avançar em suas agendas nacionais e internacionais. Foram particularmente ativos os movimentos e organizações indígenas e afrodescendentes, e entre eles, destacou-se a participação de mulheres. É o caso da Rede Internacional de Mulheres Indígenas sobre a Biodiversidade e da Rede de Mulheres Indígenas de Biodiversidade para a América Latina e o Caribe.

No plano institucional, a maior vitória foi o reconhecimento oficial da contribuição dos povos afrodescendentes na conservação da biodiversidade, algo que a vice-presidente da Colômbia caracterizou como uma medida histórica de justiça étnico-racial. É uma medida com simbolismo especial, uma vez que Cali é, depois de Salvador (Brasil), a maior cidade negra da América Latina. Essa vitória ocorreu no âmbito de um acordo mais amplo sobre o artigo 8J da Convenção (conhecimento tradicional, inovações e práticas): foi aprovada a criação de um órgão subsidiário para povos indígenas e comunidades locais, conectando a proteção da biodiversidade à proteção das comunidades locais que mais a preservam.

O mais importante, no entanto, foi a articulação das diferentes lutas sociais, convergindo em demandas que fortaleceram sua unidade e visibilidade, construindo pontes decisivas entre biodiversidade e bioculturalidade. Assim, a Convergência Regional do Pacífico Colombiano incluía grupos negros, afro, palenqueros, indígenas, jovens, mulheres, camponeses, diversas organizações LGBTIQ+, comunidades locais e urbanas, juntas de ação comunal e acadêmicos. No plano internacional, e também por iniciativa da Vice-Presidência da Colômbia, foram aprofundadas relações com os países do Caribe e alguns países africanos, incluindo acordos para a extinção de vistos entre Colômbia, Moçambique e Gana.

Os grupos oprimidos que a dominação eurocêntrica moderna (capitalista, colonialista e patriarcal) lançou para o outro lado da linha abissal, isto é, para a sociabilidade colonial, como proponho nas epistemologias do Sul, aprenderam ao longo de séculos a viver esses acontecimentos com uma hermenêutica de suspeita e, portanto, a participar com um pé dentro e outro fora das instituições que lhes são impostas. Os movimentos e organizações indígenas foram particularmente engenhosos ao nomear a COP 16 pelo seu verdadeiro nome: COP 532, o número de anos do colonialismo europeu em Abya Yala. Considerando que os povos indígenas representam apenas 6,2% da população mundial, como se explica que 80% da biodiversidade esteja concentrada em seus territórios e nos territórios de camponeses pobres? Se, ao longo de séculos, foram eles os guardiões da biodiversidade, não deveriam eles conduzir a convenção da ONU sobre biodiversidade e propor as medidas necessárias para salvar o que ainda não foi perdido? Não são eles os especialistas? Por que essas reuniões são dirigidas e organizadas segundo a matriz cultural e em obediência aos interesses daqueles que foram e continuam a ser os maiores responsáveis pela destruição da biodiversidade? Essas perguntas estão fora do debate político autorizado nos corredores da COP. Pertencem ao debate civilizacional com o qual os povos indígenas, afrodescendentes e camponeses desejam condicionar o debate político, fazendo-o com crescente insistência. Por isso, os movimentos indígenas que impulsionam o “Plano de Vida Global”, embora celebrem a vitória no âmbito do Artigo 8J, a consideram insuficiente: “nós, povos do mundo, continuamos lutando para que nossas nacionalidades originárias tenham voz e poder de decisão nos cenários globais e enquanto governos indígenas”.

A ideia da COP 532 buscou fortalecer a legitimidade das lutas sociais que estão em curso na Colômbia. Três áreas merecem destaque: terra, educação e direito. A luta pela recuperação de terras está em curso em toda a região, especialmente no Cauca, onde foi realizada a COP. O Movimento das Autoridades Indígenas do Sudoeste (AISO) vem recuperando milhares de hectares de terra para promover a agricultura indígena e camponesa. No campo da educação própria, os povos misak, nasa e pijaos têm exigido do governo colombiano mais atenção aos processos educacionais interculturais. O Taita (autoridade) Jesús Maria Aranda, da comunidade misak, afirmou, como objetivo da educação própria, “que os processos de vida dos povos perdurem para as gerações futuras, o que implica a existência dos espaços de sempre e para sempre. A Universidade Misak ou Ala Kusrei ya Misak Universidad é muito importante. A Universidade Misak se articulará com o sistema educativo oficial de acordo com os princípios do Sistema Educacional Indígena e respeita o mandato originário e a dignidade dos povos, nos termos do Direito Mayor [direito originário]”.

A fala do Taita Jesús faz a ponte com a terceira área de luta: o reconhecimento do direito indígena originário. Essa luta ganha especial relevância hoje, uma vez que, 33 anos após ser estabelecida na Constituição Política de 1991 (art. 246), está sendo discutida no Congresso colombiano a “coordenação entre a jurisdição especial indígena e o sistema judicial nacional” por meio de um projeto de lei de coordenação interjurisdicional. Esse projeto já foi objeto de consulta prévia, livre e informada nos termos do direito internacional sobre povos originários. Os objetivos da lei são amplos: “Estabelecer um roteiro que reforce o reconhecimento dos sistemas de justiça próprios das populações indígenas e promova o diálogo autoridade-autoridade; avançar com cenários de coordenação com todo o apoio e segurança jurídica necessários; criar uma base e regras gerais para que diferentes formas de justiça possam trabalhar em conjunto. Não se pretende unificar ou tornar iguais os sistemas de justiça dos 115 povos indígenas do país; respeitar sempre a autonomia e a diversidade dos povos indígenas, reconhecendo a riqueza cultural da nação; compilar a jurisprudência dos tribunais superiores sobre a forma de coordenar a justiça indígena com a justiça ordinária e as regras para determinar quando se aplica a jurisdição indígena; estabelecer a mediação linguística obrigatória e a formação de intérpretes; fortalecer o dever de apoio técnico, científico e jurídico entre as autoridades, operadores e colaboradores do Sistema Judicial Nacional e as autoridades dos povos indígenas; fortalecer as instâncias existentes de coordenação entre a justiça indígena e o sistema judicial nacional; atender e incluir as demandas do movimento indígena e as posições dos órgãos judiciais.”

“Todas essas questões foram discutidas e acordadas na Comissão Nacional de Coordenação do Sistema Judicial e da Jurisdição Especial Indígena (COCOIN), principal espaço de diálogo sobre o tema, juntamente com a Mesa Permanente de Concertação dos Povos Indígenas”. Ainda assim, é provável que a aprovação desse projeto de lei seja particularmente controversa e turbulenta. A verdade, contudo, é que a Colômbia, sob a presidência do Presidente Gustavo Petro, está se tornando o país da América Latina onde os povos originários têm mais motivos para acreditar no reconhecimento de sua autodeterminação e de seu direito próprio. Seria a plena realização da COP 532.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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