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      Atilio Boron

      Professor de ciência política na Universidade de Buenos Aires

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      Trump e seu impossível retorno ao passado

      Na América Latina e no Caribe, devemos estar alertas. Como alertaram Fidel e Che, quando os EUA fracassam globalmente, voltam-se para o seu "quintal"

      Presidente dos EUA, Donald Trump 13/03/2025 (Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein)

      Publicado originalmente no Globetrotter em 1º de abril de 2025

      O retorno radical ao protecionismo não só é possível como necessário para um império em declínio inegável. Denunciado por analistas críticos, isso foi confirmado por intelectuais do establishment estadunidense, como Zbigniew Brzeziński em um texto de 2012 e, posteriormente, por documentos da Rand Corporation. O declínio — ou dissolução, se preferir — veio acompanhado de fatores internos críticos: crescimento econômico lento, perda de competitividade nos mercados globais e a gigantesca dívida do governo federal. Se em 1980 a relação dívida/PIB dos EUA era de 34,54%, hoje alcança um nível astronômico de 122,55%. A isso soma-se o déficit comercial intratável, que em 2024 atingiu US$ 131,4 bilhões (cerca de 3,5% do PIB), pois os EUA consomem mais do que produzem.

      A essa constelação de fatores internos soma-se o desgaste da legitimidade democrática, evidenciado pelo ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e pelos recentes indultos concedidos por Trump a cerca de 1.500 agressores condenados pela Justiça. Em vez de consenso bipartidário, há hoje uma fratura no sistema político, da qual o trumpismo é apenas uma expressão.

      O cenário externo também mudou irreversivelmente. O crescimento econômico fenomenal da China e os avanços de outros países do Sul Global (como Índia e nações asiáticas) criaram barreiras às pretensões de Washington. Acostumado a impor as suas condições sem obstáculos, o império vê a sua "era dourada" desaparecer, graças ao fortalecimento tecnológico e econômico do Sul Global. As guerras comerciais, outrora eficazes, agora se voltam contra o agressor.

      A isso soma-se o inesperado "retorno" da Rússia como potência global, surpreendendo os ideólogos do excepcionalismo estadunidense. A capacidade militar russa (comprovada na guerra da Ucrânia) e as suas alianças diplomáticas (como os BRICS) inclinaram o equilíbrio geopolítico contra os EUA. O multipolarismo chegou para ficar.

      Diante dessas mudanças, alguns conselheiros do império defendem o uso do poder bruto, abandonando a legalidade internacional. Robert Kagan, em artigo pós-11 de setembro, argumentou que os EUA devem agir em um "mundo hobbesiano", onde só a força garante segurança. Robert Cooper, diplomata britânico, ecoou essa visão, sugerindo métodos brutais para lidar com o "resto do mundo" (a "selva"). Vinte anos depois, Josep Borrell, da UE, repetiria a mesma arrogância ao comparar a Europa a um "jardim" e o resto do planeta a uma "selva".

      Porém, Samuel P. Huntington já alertara sobre os limites do unilateralismo. Em um mundo hobbesiano, a arrogância dos EUA poderia gerar uma coalizão anti-imperial — incluindo Rússia, China e o Sul Global. Washington, como "xerife solitário", fracassou no Vietnã, Afeganistão e Cuba, e hoje enfrenta um cenário internacional mais complexo.

      Trump, em seu desespero, tenta reviver a "era dourada" com diplomacia de canhoneira e guerras comerciais, mas seus esforços são inúteis. Ele abandonou acordos climáticos e organismos internacionais (como a OMS e a UNESCO), mas pouco alcançou no tabuleiro geopolítico. Seu apoio ao genocídio em Gaza e sua incapacidade de encerrar a guerra na Ucrânia mostram a incoerência de seu suposto "pacifismo".

      Na América Latina e no Caribe, devemos estar alertas. Como alertaram Fidel e Che, quando os EUA fracassam globalmente, voltam-se para o seu "quintal estratégico". Washington não hesitará em instalar governos fantoches — ou ditaduras — para afastar rivais como China e Rússia. Já aconteceu antes e pode repetir-se.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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