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    Decisão do STF sobre emendas atende ao interesse público, avalia especialista

    Jurista Luciana Zaffalon afirma tratar-se de uma disputa por poder que passa pelo orçamento público

    Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) (Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF)

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    Brasil de Fato - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino abriu um novo foco de tensão com o Congresso Nacional ao suspender, nesta sexta-feira (16), os repasses das chamadas "emendas Pix", que são direcionadas a prefeituras e governos estaduais sem transparência sobre o emprego dos recursos, e logo, das emendas impositivas, de execução obrigatória por parte do governo federal. O Congresso Nacional esteve agitado nesta sexta, algo que é incomum para o dia da semana.  

    Para Luciana Zaffalon, jurista e diretora-executiva da Plataforma Justa, a decisão do STF "atende ao interesse público" já que o Artigo 37 da Constituição Federal estabelece uma série de critérios que devem reger a administração, entre eles, a transparência e a rastreabilidade dos recursos públicos empregados.  

    "É uma decisão que atende ao interesse público. Ter verba pública sendo gerida com transparência, com rastreabilidade, com possibilidade de controle público, é o mínimo que a gente tem a esperar da gestão pública, e isso se aplica aos três poderes", afirma. "O que a gente observa com esse processo de transferência de poder orçamentário do Executivo ao Legislativo nos últimos tempos, que começa já em 2015, com a decisão dessas verbas se tornarem impositivas, é um desvirtuamento da Constituição Federal."   

    Zafallon lembra que tanto a Constituição Federal como as constituições estaduais são muito claras em fixar que a atribuição para propor a distribuição da arrecadação pública é do Executivo, assim como a definição de como os recursos públicos serão gastos, cabendo ao Legislativo debater e aperfeiçoar as regras orçamentárias, além de aprovar o orçamento final. "Nesse sentido, a gente ter a Corte constitucional se colocando de maneira clara e em prol do interesse público, neste momento, parece muito positivo", avalia.   

    Nesta sexta-feira, em entrevista à Rádio T de Curitiba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou a decisão do STF.   

    "O Congresso Nacional hoje tem metade do orçamento que o governo tem. O governo tem R$ 60 [bilhões], ele tem R$ 57 bilhões. Não é possível, não tem nenhum país do mundo (…) em que o Congresso Nacional tenha sequestrado parte do orçamento para ele em detrimento do poder Executivo que é quem tem obrigação de governar", declarou o presidente. 

    O que muda?  

    Em seu voto, Dino destacou que a decisão não descarta a necessidade de seguir operando junto aos demais poderes e seus corpos técnicos para buscar uma solução constitucional "que reverencie o princípio da harmonia entre os Poderes".    

    "Realço que estão ocorrendo reuniões técnicas entre os órgãos interessados, com o auxílio do Núcleo de Conciliação da Presidência do STF, além de estar prevista reunião institucional com a presidência e demais ministros do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, bem como do Procurador Geral da República e de representante do Poder Executivo, em busca de solução constitucional e de consenso, que reverencie o princípio da harmonia entre os Poderes", explicou o ministro, indicando que adequações administrativas podem ajudar a solucionar o impasse.   

    A diretora-executiva da Plataforma Justa afirma que, embora o caráter impositivo das emendas não esteja em discussão na decisão de Dino, a garantia da transparência e rastreabilidade dos recursos é uma espécie de "redução de danos" frente ao sequestro do orçamento público pelo Congresso.      

    "A gente está tratando de uma outra dimensão constitucional que é: pelo menos esse gasto público tem que seguir os princípios que regem a administração pública. É como uma redução de danos ao desvirtuamento que está previsto na regra orçamentária", afirma Zaffalon.    

    Por enquanto, os repasses de recursos ficam suspensos para as duas modalidades de emendas, excetuando-se as obras em andamento e casos de calamidade pública, como as verbas destinadas à reconstrução do Rio Grande do Sul.   

    Decisão agora é do conjunto do STF 

    A decisão liminar de Dino gerou recurso dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), ao presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso.  

    "As decisões monocráticas, proferidas fora de qualquer contexto de urgência que justificasse uma análise isolada, e não colegiada, transcenderam, em muito, o debate em torno de alegada falta de transparência das denominadas emendas Pix, e alcançaram de forma exorbitante também as chamadas emendas de comissão", argumentava o recurso, negado por Barroso. Em plenário virtual desta sexta-feira, formou-se maioria entre os 11 ministros para manter a decisão de Dino.    

    No despacho original, o ministro determina ainda que a Controladoria-Geral da União (CGU) faça uma auditoria, em 90 dias, em todas as emendas Pix realizadas em 2024, além de uma verificação desses repasses desde 2020. Segundo a organização Transparência Brasil, apenas em 2024, foram R$ 8,2 bilhões autorizados para as emendas Pix, e somente 1% possui informações essenciais à transparência, como a destinação do recurso e sua aplicação. 

    A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), autora da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7688 que questionou as emendas Pix no STF, publicou nota em que afirma que "as emendas Pix, autorizadas pela Emenda Constitucional nº105/2019, ferem a Constituição por permitir a transferência direta de recursos da União sem necessidade de projetos específicos ou convênios. Tal prática dificulta a transparência e a fiscalização, afetando o controle público, jornalístico, social e institucional das verbas públicas", diz o texto. 

    As emendas Pix também foram questionadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que argumentou a inconstitucionalidade dos repasses devido à ausência dos critérios de transparência. Segundo a organização Transparência Internacional, as emendas nessa modalidade somam R$ 8,2 bilhões apenas neste ano.      

    Já as emendas impositivas, criadas em 2015, durante a presidência de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados, foram questionadas pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que alega a invasão de competência entre os poderes, já que a Constituição Federal atribui apenas ao poder Executivo a responsabilidade pela execução do orçamento. 

    A deputada federal do Psol Sâmia Bomfim vê as emendas parlamentares como um instrumento interessante de democratização e descentralização do orçamento público. No entanto, ela alerta que, na prática, elas servem para favorecer redutos eleitorais dos parlamentares, além de terem um peso cada vez maior na divisão do orçamento.    

    "É cada vez maior a perspectiva do controle que o Congresso tem sobre o orçamento, que é praticamente a metade do que tem todo o governo. Então dá um poder muito grande para o Congresso. E, agora, com essa novidade das chamadas emendas Pix, que é uma forma de dar continuidade, na verdade, ao orçamento secreto", critica a parlamentar.  

    Sobre as reações no Congresso à decisão do STF, Bomfim avalia que o conflito atiça a base bolsonarista no parlamento, que busca um revide à Corte por conta de decisões contrárias aos interesses de seu grupo político. No entanto, ela acredita que a tendência é de que se encontre uma solução pactuada.   

    "Muitos parlamentares ali têm muita culpa na praça. Não iriam com tanta sede numa linha tão anti-Supremo porque tem uma série de inquéritos e de questões em aberto, que preferem sempre uma saída de pactuação e de negociação. Eu acho que essa é a tendência", avalia. 

    Lula critica emendas impositivas 

    Na entrevista à Rádio T de Curitiba, Lula criticou as emendas impositivas, por representar uma perda de capacidade do governo de negociar a aprovação de projetos no parlamento, e uma ampliação de poderes do Congresso.  

    "Isso começou acontecendo já no governo da Dilma, quando Eduardo Cunha virou o presidente da Câmara dos Deputados, com a criação do orçamento impositivo. Ou seja, as emendas impositivas significam que o deputado pode ser contra, ele pode ser a favor, ele tem o mesmo direito. Se o cara passar o dia inteiro no microfone me xingando e se ele passar o dia inteiro votando contra as coisas boas para o povo, ele vai receber do mesmo jeito. Então isso foi o começo de uma loucura que aconteceu nesse país", declarou o presidente 

    Em 2024, a previsão é de R$ 44,67 bilhões em emendas impositivas, sendo R$ 25,07 bilhões em emendas individuais, R$ 11,05 bilhões em emendas de comissões e R$ 8,56 bilhões em emendas de bancadas estaduais.   

    A disputa do poder passa pelo orçamento 

    Zaffalon afirma que existe uma disputa de poder que passa pelo controle do orçamento público, o que inclui o Poder Judiciário. Segundo ela, pesquisa realizada pela Plataforma Justa em 2022 mostrou que as instituições de Justiça Estaduais tiveram um orçamento de R$ 52 bilhões.

    A pesquisa também revela as disputas locais de poder, nas quais setores como o da segurança pública, fundamentalmente os policiais, vêm dominando o orçamento público dos seus respectivos estados. Ela menciona o caso do estado do Rio de Janeiro, onde as polícias ficaram com quase 12% do orçamento estadual em 2022. 

    "Há um afastamento muito grande de como as balizas orçamentárias atendem de fato ao interesse público ou à disputa de poder que estão sendo manifestas por meio da disputa orçamentária", avalia.

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