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      China aposta na produção local para conquistar o mercado brasileiro de tecnologia e construir novo modelo global de comércio

      Pequim avança com estratégia de integração industrial no Sul Global, investindo em fábricas, transferência de tecnologia e parcerias locais

      Lula e a relação Brasil-China (Foto: Ricardo Stuckert / Ilustração)
      Redação Brasil 247 avatar
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      247, com informações do GuanchaO avanço das empresas chinesas no Brasil está sendo marcado por uma mudança estratégica profunda: em vez de simplesmente exportar produtos, os gigantes do setor tecnológico e automotivo da China têm optado por instalar fábricas em solo brasileiro. Essa guinada representa não apenas uma resposta aos altos custos impostos por barreiras tarifárias, mas também uma aposta no fortalecimento de laços com o Sul Global e na criação de um sistema comercial mais equitativo e autônomo.Segundo reportagem publicada pelo site Guancha, empresas como Xiaomi, OPPO e, mais recentemente, a Vivo — que iniciou suas operações sob a marca JOVI após a inauguração de sua fábrica em Manaus — estão pavimentando o caminho para uma presença duradoura no país. Essa entrada tardia no mercado brasileiro, apesar do seu tamanho expressivo de 200 milhões de habitantes, é explicada pela notória complexidade do sistema tributário nacional e pelas elevadas taxas de importação, que podem alcançar até 60% sobre smartphones.

      Do protecionismo à parceria tecnológica

      Historicamente, o Brasil tem usado tarifas elevadas para proteger sua indústria local. O exemplo mais simbólico é o preço do iPhone 15, lançado no país por 7.299 reais — cerca de 1.400 dólares —, quase o dobro do valor cobrado nos Estados Unidos. Diante dessas barreiras, empresas como a Samsung, que montam seus produtos localmente desde 1999, conquistaram significativa vantagem competitiva. A Apple, por outro lado, segue marginalizada com menos de 10% de participação de mercado, mesmo após a tentativa de nacionalizar parte de sua produção via Foxconn.

      A estratégia chinesa agora segue essa mesma trilha: apostar na produção local como alternativa viável e como instrumento de penetração duradoura. Xiaomi, OPPO e Vivo estão expandindo ou iniciando suas linhas de montagem no Brasil, frequentemente em parceria com empresas nacionais como a Multi, que se tornou um importante canal de entrada para tecnologia chinesa no país. No caso da OPPO, a produção local também possibilita adaptações para o gosto regional, como câmeras com funcionalidades especiais voltadas ao estilo de vida latino-americano.

      Transformando barreiras em oportunidades

      O caso brasileiro reflete um fenômeno global: a transição da China de uma potência exportadora para uma força industrial global. Essa mudança se dá no contexto do isolacionismo comercial norte-americano, simbolizado pelo presidente Donald Trump, que assumiu seu segundo mandato em 2025 com uma política ainda mais agressiva de protecionismo produtivo. Enquanto os Estados Unidos se fecham, a China se abre para parcerias produtivas, posicionando-se como líder moral de um novo modelo de comércio baseado na cooperação e na transferência de tecnologia.

      “O que os países em desenvolvimento mais precisam é de tecnologias produtivas que permitam elevar a renda de suas populações. E a China está disposta a compartilhar isso”, destaca a reportagem do Guancha. A entrada das empresas chinesas não apenas melhora a competitividade local como também contribui para a formação de novas cadeias produtivas.

      Brasil: um laboratório de inovação industrial

      Apesar de seus desafios econômicos, o Brasil reúne condições estruturais que o tornam atraente para empresas chinesas. A taxa de urbanização de 87,6% supera a dos Estados Unidos; o SUS cobre 75% da população; e a penetração de smartphones é de 85%. Além disso, o consumidor brasileiro se destaca no uso de tecnologia: segundo o AppAnnie, os brasileiros passam, em média, 5,4 horas por dia no celular — um dos maiores índices do mundo.

      A entrada da DiDi no mercado de transporte e delivery é um exemplo de como empresas chinesas vêm impulsionando a digitalização da infraestrutura local. Após adquirir a 99, a gigante chinesa passou a investir em pagamento digital via “99Pay” e, mais recentemente, no setor de entregas. Nesse processo, engenheiros chineses atuam em conjunto com equipes locais, promovendo capacitação e inovação.

      Localizar para crescer: o caso japonês e os aprendizados globais

      A experiência internacional reforça os acertos dessa estratégia. No Japão, a chinesa Hisense ultrapassou a marca de 40% de participação no mercado de televisores em 2024 após adquirir a divisão da Toshiba e revitalizá-la sob a marca REGZA. A Haier, por sua vez, já vinha trilhando esse caminho desde os anos 1990 com sua “estratégia dos três terços”: 1/3 produção e vendas internas, 1/3 produção nacional para exportação e 1/3 produção e venda local no exterior.

      Mesmo em mercados com forte concorrência como Europa e Coreia do Sul, empresas chinesas têm buscado diferenciação via cooperação e adaptação cultural. Ao entender as especificidades regionais, os chineses demonstram que competitividade vai além de preço: trata-se de gerar valor conjunto com os parceiros locais.

      Sul Global como protagonista do novo comércio

      A ascensão das empresas chinesas como investidoras industriais contrasta fortemente com o passado colonial das potências ocidentais. Em vez de explorar recursos, a China oferece tecnologia, infraestrutura e capital. O exemplo da Hungria é revelador: o país europeu virou o segundo maior produtor mundial de carros elétricos graças ao investimento chinês, e mesmo assim mantém sua autonomia política — ao contrário da prática usual dos antigos colonizadores.

      Para o especialista Lin Xueping, citado na reportagem do Guancha, a chave para o sucesso está em compartilhar os frutos do desenvolvimento. Um caso negativo mencionado foi o de uma empresa chinesa que tentou driblar a capacitação local na Índia, importando mão de obra e tecnologia prontas da China, o que acabou gerando retaliação do governo indiano. A lição é clara: não basta vender, é preciso construir junto.

      Do passado ao futuro: uma nova rota da globalização

      A China parece determinada a não repetir os erros dos antigos impérios. Sua proposta de globalização parte do princípio da reciprocidade, da complementaridade produtiva e da criação mútua de demanda. Tal como ocorreu nos anos 1980, quando a Volkswagen entrou na China e ajudou a criar a moderna indústria automotiva local, agora é a vez de empresas chinesas fazerem o mesmo em outros países.

      Diante da retórica hostil de Trump, a resposta chinesa é pragmática: mais fábricas, mais cooperação, mais inclusão. O que está em jogo não é apenas o futuro das empresas, mas a própria arquitetura do comércio global. E nesse novo cenário, o Brasil se firma como peça-chave da nova rota sul-sul da industrialização tecnológica.

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