Enel respeita o consumidor italiano e trata muito mal a população de São Paulo
Empresa italiana também recolhe dividendos excessivos no Brasil, usando recursos no seu país de origem
247 – A cidade de São Paulo, maior metrópole da América Latina, enfrenta um cenário alarmante quando comparado ao tempo de interrupção no fornecimento de energia em outras grandes cidades globais atendidas pela mesma empresa: a Enel. Levantamentos internacionais apontam que os paulistanos ficam cerca de cinco vezes mais tempo sem luz do que os consumidores da Enel na Itália, onde a companhia é sediada. Cidades como Nápoles, Turim e Florença, atendidas pela subsidiária italiana E-Distribuzione, registram uma média de uma hora de interrupção por ano, enquanto, em São Paulo, esse número chega a seis horas e 47 minutos, como aponta reportagem da Folha de S. Paulo.
Esse desempenho coloca São Paulo em uma posição desfavorável em comparação a outras grandes capitais, como Santiago, no Chile, onde a população fica sem luz por quase três horas anuais, mesmo com a Enel atuando também por lá. Por outro lado, a capital paulista ainda supera cidades como Buenos Aires e Nova Déli, onde as interrupções de energia chegam a durar até quatro dias.
Disparidades regionais e a estrutura das redes
A empresa, ao ser procurada pela Folha de S.Paulo, argumentou que a diferença entre os tempos de interrupção se deve às características distintas das redes de distribuição nas cidades comparadas. Uma das justificativas apresentadas foi o fato de que cerca de 20% das redes de energia em cidades italianas e em Santiago são subterrâneas, o que reduz a vulnerabilidade a eventos climáticos. Em São Paulo, 94% da rede é aérea, tornando-a mais suscetível a tempestades e outros fenômenos naturais. No entanto, especialistas apontam que essa não é a única explicação para o mau desempenho da Enel em São Paulo.
Segundo Diogo Lisbona, pesquisador do FGV Ceri (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas), diversos fatores influenciam a qualidade do serviço de distribuição de energia, e a diferença entre redes aéreas e subterrâneas é apenas um deles. "A idade da infraestrutura, as metas regulatórias, o tipo de poste, a gestão das equipes de manutenção e até mesmo o nível de renda da população afetam diretamente a eficiência do sistema", afirma. Ou seja, São Paulo, como uma das maiores e mais complexas cidades do mundo, demanda uma gestão de energia mais robusta do que a que vem sendo oferecida pela Enel.
Comparações internacionais revelam atrasos
Para avaliar a eficiência no fornecimento de energia, a Folha de S.Paulo utilizou uma métrica internacional chamada Saidi (System Average Interruption Duration Index), que mede o tempo total que os consumidores de uma região ficam sem luz ao longo de um ano. No Brasil, o índice equivalente é o DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora), regulamentado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Em 2023, o DEC do Brasil indicou uma média de dez horas e 24 minutos de interrupção.
Em São Paulo, sob responsabilidade da Enel, o DEC registrou seis horas e 47 minutos sem luz nos 12 meses anteriores a agosto de 2024. Em áreas com rede subterrânea, o tempo de interrupção foi significativamente menor: apenas duas horas. Na comparação global, Tóquio e Seul se destacam como as cidades com menor tempo de apagões, com apenas cinco a dez minutos anuais no escuro. Já cidades europeias como Paris, Londres e Berlim ficam sem luz por menos de uma hora por ano, fruto de investimentos pesados na modernização das redes e no enterramento dos cabos de energia.
Pressões regulatórias e soluções
Enquanto o Brasil ainda engatinha na modernização de sua rede elétrica, países como a Itália adotaram, desde 2007, uma regulação mais rígida para garantir a qualidade do serviço prestado pela Enel. Por lá, qualquer interrupção de energia que ultrapasse oito horas gera uma compensação automática aos consumidores. No Brasil, as regras são mais brandas e, em muitos casos, eventos climáticos extremos nem sequer são considerados nos indicadores que medem a eficiência das concessionárias.
Henrique Ennes, também pesquisador do FGV Ceri, defende que o Brasil deveria adotar uma regulação mais rigorosa, semelhante à da Itália. "Implementar compensações automáticas para os consumidores, mesmo em situações de emergência, poderia forçar as concessionárias a melhorar suas operações e reduzir o tempo de interrupção de energia", explica.
O pesquisador destaca ainda que as atuais regras brasileiras para compensação de prejuízos são limitadas. No caso de um "dia crítico" — quando há muitas interrupções simultâneas, mas de menor gravidade —, os consumidores podem buscar compensação. No entanto, em situações de emergência mais graves, como grandes tempestades, as empresas não são obrigadas a ressarcir os danos.
O desafio de São Paulo
Além das limitações estruturais da rede aérea, a gestão e o plano de contingência da Enel em São Paulo também são alvos de críticas. A cidade tem apenas 2.600 quilômetros de cabos subterrâneos, e investir na modernização desse sistema poderia reduzir os apagões. No entanto, ao longo dos últimos anos, a empresa tem sido acusada de recolher dividendos excessivos no Brasil e usar esses recursos para melhorar seus serviços na Itália, em vez de investir adequadamente na infraestrutura de São Paulo.
A Enel ocupa uma posição de destaque entre as concessionárias de energia que mais sofrem com apagões no Brasil, tendo ficado na 21ª colocação entre 29 grandes empresas do setor, de acordo com o ranking da Aneel. Isso reforça a necessidade de revisão das práticas regulatórias e do modelo de atuação da empresa no país.
Enquanto a população de São Paulo segue sofrendo com os recorrentes apagões, especialistas e consumidores pressionam por mudanças estruturais. Um sistema mais moderno, com maior controle regulatório e investimentos adequados, pode ser o caminho para garantir que a maior cidade do Brasil não continue no escuro enquanto outros países avançam.
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