"A percepção molda a realidade, e essa realidade é construída intencionalmente", diz pesquisadora
A pesquisadora Eliara Santana analisa como a extrema-direita manipula narrativas para moldar a percepção pública
247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, a pesquisadora Eliara Santana discutiu os impactos da comunicação na construção da realidade social e política no Brasil e no mundo. Segundo ela, a extrema-direita soube se apropriar de narrativas e ressignificar temas essenciais para mobilizar afetos e construir um discurso eficaz. "A percepção molda a realidade, e essa realidade é construída intencionalmente para favorecer determinados grupos políticos", afirmou.
Para exemplificar, Eliara cita o livro A Linguagem do Terceiro, do filólogo Viktor Klemperer, que analisou como o nazismo alterou o significado das palavras para legitimar sua ideologia. "Ele mostra como algo que era extremamente negativo passa a ser relativizado", destacou. Segundo a pesquisadora, a manipulação da linguagem pela extrema-direita atual segue o mesmo princípio: ideias que antes eram inaceitáveis vão sendo normalizadas até se tornarem dominantes.
Um dos exemplos citados foi a forma como a economia tem sido retratada pela mídia tradicional brasileira. Eliara pontuou que, apesar dos números positivos – como a queda do desemprego, o aumento da renda e o crescimento do PIB –, há uma percepção generalizada de crise. "O debate acadêmico e jornalístico não é esse, mas a percepção molda o debate popular", explicou. Para ela, esse fenômeno não ocorre apenas por desinformação, mas também por uma estratégia de comunicação das elites para deslegitimar políticas públicas.
A pesquisadora também destacou o processo de criminalização da política, iniciado em 2013 e intensificado a partir de 2014. "A imprensa tradicional fez o povo acreditar que políticas públicas eram algo negativo e deveriam ser combatidas em nome de um Estado menos participativo", afirmou. O discurso da "gastança", por exemplo, consolidou-se como ferramenta para desacreditar investimentos sociais. "Isso pega até mesmo entre quem é beneficiado por essas políticas", pontuou Eliara.
Outro fenômeno abordado foi a ascensão dos chamados outsiders na política, exemplificada por figuras como Jair Bolsonaro e, mais recentemente, Gustavo Lima e Pablo Marçal. Segundo Eliara, isso não é casual, mas resultado de um longo processo de despolitização da sociedade. "O movimento de criminalização da política levou à ideia de que políticos são corruptos e que precisamos de alguém de fora para resolver os problemas", analisou.
A normalização de Bolsonaro pela mídia também foi debatida na entrevista. "No CQC, ele era o ‘tiozão do pavê’, um personagem que parecia inofensivo, mas carregava um discurso misógino e autoritário", disse. Esse processo, segundo a pesquisadora, foi crucial para sua eleição. Da mesma forma, hoje a imprensa americana tem suavizado a imagem de Donald Trump, tornando sua volta ao poder cada vez mais plausível.
Para Eliara, a comunicação estratégica é essencial para enfrentar esses desafios. "A esquerda precisa aprender a se comunicar melhor. Não se trata de criar fake news, mas de usar a emoção para reforçar narrativas positivas", sugeriu. Como exemplo, citou a polêmica do boné "O Brasil é dos brasileiros", usado por Lula, que gerou grande repercussão ao resgatar memórias da deportação de brasileiros dos Estados Unidos. "Esse episódio cutucou a extrema-direita porque desarmou sua narrativa", avaliou.
A entrevista terminou com um alerta sobre o futuro. Para Eliara, o mundo vive uma batalha de narrativas, onde a extrema-direita tem se mostrado mais eficaz. "O Brasil se tornou um laboratório de realidade paralela, onde a desinformação se consolidou como um ecossistema estruturado", concluiu.
Diante desse cenário, a pesquisadora reforça a necessidade de pensar a comunicação estrategicamente, de forma acessível e conectada com as demandas da população. "Estamos em um mundo midiático, e a percepção do que é real ou não pode definir o futuro político de um país". Assista:
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