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      Ednardo: “Eles sabiam o que a música dizia, e tiraram minha voz”

      Em entrevista ao Boa Noite 247, Ednardo detalha censura imposta pela ditadura, o impacto popular de "Pavão Misterioso" e a missão artística de resistir

      (Foto: Reprodução/O Silêncio que Canta por Liberdade)
      Dafne Ashton avatar
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      247 - Em conversa intensa e repleta de memórias com o programa Boa Noite 247, o cantor e compositor Ednardo revelou os bastidores da criação da canção Pavão Misterioso, sua relação com a ditadura civil-militar brasileira e os episódios de censura que o atingiram diretamente. A entrevista foi marcada por um mergulho na trajetória de um artista que fez da metáfora sua arma e da música um refúgio de liberdade.Ednardo explicou como a letra de Pavão Misterioso nasceu de uma adaptação simbólica inspirada em um romance de cordel lido na juventude: “Eu fui encontrar no romance do Pavão Misterioso a história de um cara que inventava um mecanismo de voo para libertar uma princesa presa numa torre altíssima. Eu achei que ali estava tudo: a princesa preciosa enclausurada era a nossa liberdade, a torre era a ditadura, e o pavão, o engenho para alcançá-la”.

      O compositor cearense destacou a necessidade de criar códigos poéticos para contornar a censura imposta pelos militares: “Qualquer artista um pouco mais esclarecido que falasse algo era cortado pela Censura Federal. Nós tivemos que começar a falar através de metáforas, inventar uma forma de dizer tudo sem ser cortado”.

      O impacto de Pavão Misterioso ganhou projeção nacional quando a música foi escolhida por Dias Gomes para integrar a trilha da novela Saramandaia, da TV Globo. O sucesso foi imediato. “Na primeira semana vendeu 150 mil discos. Na segunda, 480 mil”, relatou. No entanto, o crescimento da canção chamou atenção do regime. “Eles começaram a perceber que o povo estava entendendo o que a música dizia. E como eles não são burros, apesar de serem violentos, mandaram um recado para a Globo: ‘tira a música do ar’”.

      Segundo Ednardo, a decisão tomada pela emissora foi drástica: “Tiraram a minha voz. Deixaram só a introdução musical e as partes instrumentais. Isso quem me contou foi o Guto Graça Mello, diretor musical da novela. Cara, tirar a minha voz... é uma coisa que eu chamo de extirpação indevida”.

      A resposta popular à censura foi imediata. “O público começou a não assistir mais a novela. Foi uma reação espontânea”, contou. Pressionada pela queda de audiência, a Globo voltou atrás. “No finalzinho da novela, o Boni mandou trazer minha voz de volta”.

      O episódio deixou marcas profundas em sua trajetória e se tornou um símbolo da relação entre arte e repressão. “As pessoas mais jovens não sabem o que foi aquilo. Às vezes vejo negros e pobres defendendo ditadura, extrema direita. Eles seriam os primeiros a se lascar”, afirmou.

      Durante a entrevista, Ednardo também refletiu sobre as dificuldades enfrentadas por artistas diante da transformação tecnológica e da fragilidade dos direitos autorais no ambiente digital: “Hoje em dia tem um tal de stream. É uma mão na roda, mas também um freio de mão absurdo. Eles dizem que vão pagar 0,001 de dinheiro autoral. Você precisa de pelo menos um milhão e meio de audições para se remunerar”.A conversa com Joaquim de Carvalho ainda revelou momentos íntimos de criação. Ao ser questionado sobre a música Enquanto engomo a calça, Ednardo contou que ela nasceu quase como uma brincadeira, durante uma aposta entre amigos sobre quem comporia mais canções em 20 dias. “Enquanto minha companheira engomava minha calça para eu sair, Dominguinhos e eu fizemos essa música em dois minutos e meio. E ela ficou para sempre”.

      Sobre sua relação com outros músicos, Ednardo foi direto ao mencionar conflitos com Fagner: “Ele fez algumas sacanagens comigo dentro da gravadora quando era diretor artístico. Não vou entrar em detalhes. Só sei que foi escroto”. E acrescentou: “Eu sou mais simpático aos pensamentos de esquerda. O Fagner é bolsonarista. Eu gosto mais do Lula”.

      Mesmo após enfrentar problemas de saúde — incluindo um câncer na boca, causado pelo hábito de fumar duas carteiras e meia por dia — Ednardo afirma que continua em plena atividade, com propósito claro. “Eu acho que vim aqui para dizer algo. Não é só cantar. É uma missão de conscientizar. Isso é função de todo artista que tem uma preocupação com a vida”. Assista: 

       

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