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    "Não podemos permitir que o direito se transforme em loteria", diz Lênio Streck

    Em entrevista ao Reconversa, jurista criticou a qualidade do ensino jurídico no Brasil

    (Foto: Reprodução)

    247 – O jurista Lênio Streck, uma das vozes mais influentes do direito no Brasil, participou de uma longa e instigante entrevista no programa Reconversa, comandado por Reinaldo Azevedo e Walfrido Warde. Durante a conversa, Streck abordou diversos temas relevantes para o cenário jurídico brasileiro, com destaque para a crise do ensino jurídico no país e o protagonismo exacerbado de alguns magistrados nas decisões judiciais. Para ele, o direito, quando mal praticado, pode se transformar em uma “loteria”, deixando os cidadãos à mercê de decisões arbitrárias e imprevisíveis.

    "Decisões judiciais não podem ser imprevisíveis ou arbitrárias; o direito precisa ser estruturado, coerente e estável. Não podemos permitir que o direito se transforme em uma loteria", afirmou Streck, em uma crítica contundente ao cenário atual. O jurista, conhecido por sua defesa da integridade e coerência nas decisões judiciais, alertou que o sistema jurídico brasileiro, sem a devida fundamentação teórica e o respeito às regras estabelecidas, corre o risco de perder sua credibilidade e legitimidade.

    A crítica ao ensino jurídico no Brasil

    Streck dedicou boa parte da entrevista à discussão sobre a qualidade do ensino jurídico no Brasil, um tema que ele considera crucial para a compreensão das falhas estruturais do direito no país. Segundo ele, o ensino do direito sofre de um processo de simplificação excessiva, com um foco demasiadamente pragmático, deixando de lado a formação crítica e teórica dos futuros profissionais.

    "O direito é uma ciência complexa, e tratá-lo de forma simplista é um erro grave. O que temos visto é uma formação jurídica baseada em resumos e fórmulas prontas, o que impede o desenvolvimento de uma compreensão mais profunda e crítica dos problemas reais", destacou. Ele argumentou que os estudantes de direito precisam ser preparados para lidar com as questões complexas e, muitas vezes, contraditórias do mundo jurídico, em vez de se limitarem a decorar leis e procedimentos.

    Para Streck, essa simplificação do ensino jurídico está diretamente relacionada ao aumento da chamada "jurimetria" e do uso de dados empíricos na formação e prática do direito. Embora ele reconheça a utilidade de métricas e dados para entender padrões de comportamento em tribunais, Streck advertiu contra o uso excessivo desses instrumentos como substitutos para a teoria e a hermenêutica jurídica.

    "Os dados empíricos são importantes, mas eles não podem ser a única base para decisões jurídicas. O direito é mais do que números e estatísticas. Ele envolve valores, princípios e a capacidade de interpretação. Se deixarmos que o direito seja dominado por dados, estamos correndo o risco de esvaziar seu sentido humanístico", argumentou.

    O protagonismo judicial e seus riscos

    Outro ponto central da entrevista foi o protagonismo judicial, um fenômeno que tem se tornado cada vez mais presente no Brasil. Streck criticou o que chamou de “decisões solipsistas”, quando juízes tomam decisões com base em suas próprias convicções pessoais, ignorando os precedentes e o contexto jurídico mais amplo.

    "Vivemos em um momento em que juízes acreditam que podem decidir conforme sua consciência, ignorando os limites impostos pela Constituição e pelas leis. Isso cria uma insegurança jurídica imensa. Se cada juiz pode decidir o que quiser, o que resta da coerência e da integridade do direito?", questionou Streck. Ele mencionou que o ativismo judicial no Brasil pode ser confundido com uma tentativa de trazer soluções rápidas e simpáticas a determinadas questões, mas que esse comportamento, quando extrapolado, pode minar a confiança no sistema jurídico.

    "Existem decisões que são verdadeiras loterias, onde o resultado depende da interpretação subjetiva de quem julga. Isso não pode acontecer em um estado de direito. O juiz não pode ser um protagonista acima das regras, ele deve se submeter às leis e à Constituição", afirmou. Streck defendeu que, para o direito brasileiro retomar sua credibilidade, é necessário que o protagonismo judicial seja contido e que os tribunais sejam mais rigorosos na aplicação de precedentes.

    A defesa de uma hermenêutica crítica e consistente

    O jurista também falou sobre sua defesa de uma abordagem hermenêutica crítica no direito, uma teoria que ele tem desenvolvido ao longo de sua carreira. Para Streck, a interpretação das leis deve seguir critérios rigorosos e basear-se em princípios sólidos, evitando interpretações criativas ou desvios arbitrários.

    "Nós precisamos de uma hermenêutica que esteja ancorada em critérios universais, que possa ser aplicada de forma consistente em todas as situações. Não podemos aceitar que cada juiz interprete a lei de maneira distinta, conforme seus próprios interesses ou valores pessoais", explicou. Ele acrescentou que a hermenêutica crítica tem como objetivo justamente fornecer uma base teórica para as decisões judiciais, garantindo que elas sejam previsíveis, coerentes e respeitem os direitos fundamentais dos cidadãos.

    Streck citou seu conceito de "constrangimento epistemológico", uma teoria que ele desenvolveu para limitar a subjetividade nas decisões judiciais. Segundo ele, esse constrangimento funciona como uma espécie de freio para impedir que juízes ultrapassem os limites impostos pela lei. "O juiz deve se sentir constrangido a decidir conforme os critérios estabelecidos pela Constituição e pela jurisprudência. Ele não pode decidir como se estivesse acima do direito", disse. Assista:

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