"Precisamos organizar a regulação da saúde pública no Brasil", diz Gonzalo Vecina
Sanitarista defende fila única no SUS, integração entre estados e municípios e ampliação da telemedicina para melhorar atendimento à população
247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, Gonzalo Vecina, sanitarista e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), analisou os desafios da saúde pública no Brasil e defendeu medidas para ampliar o acesso da população a serviços essenciais. Entre as principais propostas, ele destacou a necessidade de uma regulação única para o Sistema Único de Saúde (SUS), a integração entre redes municipais e estaduais e o uso da telemedicina como ferramenta para reduzir filas e otimizar atendimentos.
Vecina ressaltou que a desorganização da regulação no SUS resulta em desperdício de recursos e longas esperas por atendimento. "Tem que ter fila única de acesso a serviços. Como é que faz para isso acontecer? Tem que ter uma governança comum. O secretário municipal de Saúde dos 39 municípios da Grande São Paulo e o secretário estadual de Saúde precisam sentar e se entender. Não importa se um é do Republicanos, outro do PL, do PSDB ou do PT", afirmou.
O sanitarista explicou que a fragmentação do sistema gera filas paralelas, o que prejudica o atendimento e amplia o tempo de espera dos pacientes. "Na Grande São Paulo, temos 39 municípios, cada um com um serviço de saúde próprio. Os hospitais municipais e estaduais atendem a mesma população, mas não se comunicam", disse. Segundo ele, isso permite que pacientes mais informados se cadastrem em filas distintas, gerando absenteísmo e desorganização no sistema.
Outro ponto abordado foi a necessidade de modernização na regulação do acesso aos serviços de saúde, incluindo a ampliação da telemedicina. "Falta consulta e vai continuar faltando. Qual é a solução? A telemedicina. Ela pode ser usada para organizar a fila, direcionar atendimentos e agilizar diagnósticos", afirmou Vecina.
Congresso e desafios na gestão da saúde
Vecina também comentou sobre a influência do Congresso Nacional na administração dos recursos da saúde pública e criticou a distribuição política dos investimentos. "Esse Congresso não nos foi dado pelo Diabo e nem por Deus. Nós elegemos esse Congresso, e com ele temos que viver", afirmou. Ele destacou que o parlamento tem sido utilizado para alocar recursos conforme interesses políticos, dificultando a implementação de políticas públicas estruturantes para o SUS.
Em relação ao governo federal, Vecina fez uma avaliação pragmática sobre os desafios da gestão da saúde. "Temos que sobreviver com Lula. É bom? Não, não está sendo bom. Mas poderia ser pior sem Lula, não tenho dúvida disso", disse. Ele ressaltou que, apesar das dificuldades políticas, o governo precisa avançar na reestruturação do sistema de saúde, incluindo a ampliação da produção nacional de vacinas e o fortalecimento da indústria médico-hospitalar.
"A Nísia conseguiu pôr ordem na casa, reestruturou o Ministério da Saúde, aumentou a vacinação e investiu na digitalização do sistema. Agora, com Padilha no comando, o desafio será manter essa estrutura e avançar na integração das redes de atendimento", afirmou.
O papel do Ministério da Saúde e a gestão tripartite
Segundo Vecina, um dos desafios centrais da gestão da saúde pública no Brasil está na descentralização da administração dos serviços. "O Ministério da Saúde não tem rede própria, ele financia as redes estaduais e municipais. O desafio hoje é integrar essas redes e organizar as filas de espera", explicou.
Ele enfatizou que a implementação de um sistema unificado de regulação no SUS ajudaria a equilibrar a demanda e evitaria o desperdício de recursos. "No município de São Paulo, há um sistema de regulação municipal chamado SIGA, enquanto o estado tem sua própria regulação, o CROSS. Assim, temos cidadãos inscritos em ambas as filas, resultando em um índice de absenteísmo de 40%", afirmou.
Vecina argumentou que a experiência do SUS na gestão de transplantes comprova que a criação de uma fila única é viável e pode melhorar a eficiência do sistema. "Nos transplantes, conseguimos organizar uma fila única e funciona. Por que não conseguimos fazer isso para consultas especializadas? O problema não é técnico, é político", afirmou.
Planos de saúde e a precarização do atendimento privado
O sanitarista também criticou a proposta de criação de planos de saúde populares, que ofereceriam apenas consultas e exames, deixando os procedimentos mais complexos para o SUS. "Isso é oferecer para a sociedade uma não solução. Quem tem dinheiro vai poder comprar consulta e exame, mas e depois? Quando precisar de uma solução mais complexa, vai para onde? Vai voltar para o SUS", alertou.
Ele ressaltou que essa proposta beneficia apenas operadoras de planos de saúde, enquanto a população de baixa renda continuará sem acesso a atendimentos essenciais. "Isso é uma sacanagem. Querem ganhar dinheiro em cima da boa fé da população e da incapacidade de tomar decisões técnicas", criticou.
Por fim, Vecina defendeu uma melhor estruturação da atenção primária no Brasil, reforçando o papel dos médicos generalistas na triagem dos pacientes e na redução da demanda por especialistas. "Não tem jeito de ter especialista para todo mundo. A atenção primária precisa ser fortalecida para resolver grande parte dos casos antes que eles se tornem mais complexos", concluiu. Assista:
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