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    Bloqueio do X não é caso de censura, mas lição de soberania

    De um lado, há um bilionário tentando submeter o Brasil ao seu próprio governo. De outro, o Supremo submetendo Musk ao governo do Brasil

    Alexandre de Moraes e Elon Musk (Foto: Reuters)

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    Conjur - O duelo entre o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e o celerado Elon Musk, dono do X, esconde uma disputa maior do que parece. Enquanto Moraes defende o primado institucional das garantias fundamentais e dos direitos individuais, Musk representa o interesse econômico das big techs que pretendem governar o mundo.

    A malandragem de Elon Musk consiste em camuflar e dissimular seus objetivos com o manto da liberdade de expressão. Ao ministro do STF cabe desmascarar os truques do antagonista que, espertamente, é o porta-voz das redes transnacionais que rejeitam submeter-se a qualquer governo ou regra.

    O truque de defender liberdades e direito de expressão não é novo. Em 2022, quando o trombadinha da vez era o Telegram, os “libertários” criticavam a moderação de conteúdos pelo Judiciário enquanto usavam o aplicativo para espalhar conteúdos desinformativos que buscavam desestabilizar instituições e colocar em dúvida a higidez do processo eleitoral. Se a moderação atrapalha esse objetivo, não é fácil entender o motivo de o moderador ser escolhido como alvo.

    A polêmica artificial em torno de Alexandre e do TSE esconde muita coisa. Entre elas, o fato de que não é de hoje que grandes empresários como Elon Musk tentam submeter políticas internas de países para proteger ou alavancar seus negócios. Nesse sentido, freios de arrumação são muito mais uma questão de soberania nacional do que de censura.

    De um lado, há um bilionário tentando submeter o Brasil ao seu próprio governo. De outro, o Supremo submetendo Musk ao governo do Brasil, ao menos no que tange à atuação do empresário em terras brasileiras.

    Com isso, a decisão tem algo de simbólica: Alexandre parece dar uma resposta a algo que outros governos ainda não souberam responder. Enquanto isso, atrás de Elon Musk se escondem todas as big techs, com seus interesses.

    No sábado, Musk disse que “investir no Brasil sob a administração atual é insano”. A declaração escondeu outro interesse do playboy: alavancar no país a Starlink, empresa de internet por satélite que teve as contas bloqueadas no Brasil por Alexandre. A empresa expandiu sua participação no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

    O país é central em outro projeto. A Tesla, principal produto do bilionário, está sendo ameaçada pela concorrente chinesa BYD,que montou sua primeira fábrica no Brasil e já adquiriu minas de lítio, matéria prima essencial para as baterias dos carros elétricos.

    Sem isolamento

    Não é difícil mostrar que Musk elegeu o Brasil como alvo. Em outros países, a postura do empresário e do X é outra no que diz respeito ao cumprimento de decisões judiciais que determinam o bloqueio de contas e de conteúdo.

    Na Índia e na Turquia, por exemplo, o X bloqueou links para um documentário da BBC crítico ao governo de Narendra Modi. Na Turquia, limitou a visibilidade de tuítes antes das eleições presidenciais.

    Nos dois casos, que envolvem uma profusão de decisões judiciais maior que no Brasil, Musk afirmou ser necessário “obedecer” às leis locais. Não houve protestos quanto a supostos ataques à liberdade de expressão.

    Ao reagir ao X, o Brasil não fica isolado, como os críticos de Alexandre dão a entender. A rede é investigada na União Europeia dede 2023 por suposta violação às regras de compartilhamento de conteúdo ilegal e desinformação.

    Na Austrália, Musk criticou uma decisão que determinava a retirada de conteúdo violento. Foi chamado de “bilionário arrogante” pelo primeiro-ministro.

    “Li Reuters, The Guardian, Washington Post, Le Monde, The New York Times… e por aí vai. Em nenhum jornal sério, o caso foi tratado como censura, mas sim como uma decisão soberana e legítima do Brasil, tomada não por capricho, mas para conter os abusos reiterados de um fora-da-lei internacional”, disse Leonardo Attuch, editor do Brasil 247, em texto publicado no site.

    “A realidade concreta impõe a defesa da soberania e dos interesses nacionais. O Brasil não pode ficar à mercê de delinquentes internacionais, que se julgam livres para promover golpes de estado e para capturar governos de países que podem servi-los com a entrega de minerais estratégicos e serviços de satélites e vigilância. Por maiores que sejam os desconfortos para os usuários de alguns desses serviços, a democracia e a soberania são os bens maiores a preservar”, prossegue.

    Regulação

    No Brasil, a ofensiva de Musk ocorre no momento em que avançam as discussões sobre a regulação das big techs por meio de um projeto de lei de combate às fake news e um meses depois de o TSE aprovar resoluções que ampliam a responsabilização das plataformas sobre conteúdos ilícitos.

    A norma da corte eleitoral determina que as empresas devem identificar e remover conteúdos “notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.

    Não se pode perder de vista também que o governo pretende propor a taxação das big techs ainda neste semestre. “Há maturidade desse processo no mundo que a gente precisa trazer para o Brasil”, disse em entrevista na quarta-feira (28/8) o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan.

    Os setores que atacam o TSE sob a pretensa defesa da liberdade de expressão afirmam que medidas como essa aproximam o Brasil de países antidemocráticos, muito embora a tendência hoje em diversas nações seja a de regular as redes.

    O número de países com regulação contra as fake news disparou desde a Covid-19. O objetivo era conter notícias falsas sobre a vacina e sobre a disseminação do vírus. Em abril de 2020, um mês depois de a Organização Mundial de Saúde qualificar a proliferação da doença como uma pandemia, 16 países já haviam criado regras próprias para punir as fake news. Os dados são do International Center for Not-for-Profit Law (ICNL).

    De lá para cá, também avançou a discussão sobre a regulação das big techs.O Reino Unido, por exemplo, aprovou em setembro de 2023 a Lei de Segurança Online. O texto determina que as próprias plataformas devem rastrear ativamente material potencialmente ilícito e julgar se ele é ilegal, sem depender de denúncias de usuários ou decisões judiciais para remover conteúdos. O descumprimento de medidas estabelecidas no texto pode levar a multas de até 18 milhões de libras (R$ 108 milhões).

    Na União Europeia, passou a valer a partir de fevereiro deste ano a Lei dos Serviços Digitais, que também determina a remoção de conteúdos ilícitos e estabelece multas de até 10% do faturamento anual global da empresa infratora. A penalidade pode chegar a 20% do faturamento em caso de reincidência.

    Na França, está em vigor desde 2020 a Lei Avia, que determina a remoção, em até 24 horas, de conteúdos considerados “manifestamente ilícitos”. As multas para quem desrespeitar as regras podem chegar a 4% do volume de negócios das empresas infratoras.

    A Alemanha saiu na frente. Desde 2017 o país tem uma lei que obriga a comunicação, pelas plataformas, de conteúdos que colocam em risco o Estado Democrático de Direito, atentem contra a ordem pública, publiquem conteúdo pornográfico, ameacem a vida ou integridade pessoal de terceiros, entre outras medidas. A norma também estabelece multa caso as empresas não apaguem os conteúdos em até 24 horas.

    Trump e Bolsonaro

    Em editorial, o Brasil 247 lembrou a proximidade de Musk com o ex-presidente norte-americano Donald Trump, que disputa a eleição deste ano, e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

    “No Brasil, a atitude de Musk equivale a uma nova tentativa de reincidir numa prática golpista pela desmoralização da Justiça e pelo negacionismo em relação ao golpe e seus autores. O exemplo de Moraes é raro nesses tempos dominados por assédio, medo e tibieza. Ao incluir a Starlink, outra empresa de Musk, no rol dos potenciais atingidos pela Justiça, o STF traz à luz a dependência perigosa das Forças Armadas brasileiras em relação a interesses contrários ao Brasil. As Forças Armadas brasileiras não operam sem a Starlink”, diz o texto.

    “Será que o país deve seguir submetendo sua segurança estratégica a negócios de um golpista fora da lei? Seja como for, agora o país deu um basta, pela voz de Alexandre de Moraes. Não pode haver volta atrás. Bolsonaro é Musk. Musk é Bolsonaro. Este perde agora mais uma tentativa de desmoralizar e vandalizar a Justiça brasileira. Acabou”, conclui.

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