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    Para advogados, sumiço de grampo contra Alberto Youssef é ‘criminosa exclusão de provas’

    HD com o conteúdo do grampo ilegal instalado na cela de Youssef estava escondido na 13ª Vara Federal de Curitiba e cerca de um terço foi apagado

    Doleiro Alberto Youssef (Foto: Agência Brasil)

    Conjur - Advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmaram que o sumiço de parte do conteúdo do grampo ilegal na cela do doleiro Alberto Youssef não é apenas um caso de quebra da cadeia de custódia que pode levar a nulidades, mas uma “criminosa exclusão de provas”.

    Conforme noticiou a ConJur nesta quinta-feira (18/7), o HD com o conteúdo do grampo ilegal instalado na cela de Youssef estava escondido na 13ª Vara Federal de Curitiba e cerca de um terço do material foi apagado.

    No começo do mês, o juiz Guilherme Roman Borges, substituto na 13ª Vara Federal, deu à defesa de Youssef acesso às escutas clandestinas. Na decisão, ele oficiou o Ministério Público Federal — que, descobriu-se, tinha desde 2017 uma cópia do grampo — e a Polícia Federal para que entregassem todo o material.

    Quando era titular da 13ª Vara, o juiz Eduardo Appio também oficiou a PF em Brasília por diversas vezes requisitando as gravações. Ele, no entanto, nunca foi informado sobre o fato de o HD estar na própria 13ª Vara, nem sobre a cópia que estava com o MPF. Pelo contrário, os servidores mais antigos da vara afirmavam que o único HD com as informações estava com a PF, ao passo que esta e o MPF nunca enviaram o conteúdo das escutas.

    A defesa só tomou conhecimento de que o grampo estava na 13ª Vara após o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, cobrar providências sobre o material e o juiz substituto ordenar que PF e MPF liberassem as escutas para os advogados de Youssef.

    Eles, então, tiveram acesso às gravações e constataram que 26 dos 64 áudios registrados clandestinamente foram apagados. A exclusão consta em perícia da própria PF. Um pendrive com informações também teve seu conteúdo totalmente excluído.

    As gravações na cela de Youssef começaram já no dia da sua prisão, em 17 de março de 2014, e só pararam no mês seguinte, quando o próprio doleiro encontrou o grampo ilegal, segundo apurou a ConJur.

    ‘Colocam a mão e o processo vira pó’ - Para o constitucionalista Lenio Streck, a exclusão dos áudios leva à nulidade das provas contra Youssef e é mais uma “prova do malefício que o lavajatismo provocou”.

    “Quando o ministro Dias Toffoli anula processos da ‘lava jato’, muitas pessoas, inclusive do Direito, lançam críticas. Mas a cada dia se vê que ele tem razão. Ocorre que a turma da ‘lava jato’ conseguiu fazer tantas ilegalidades e nulidades que até mesmo provas contra o doleiro Youssef são nulas”, comentou ele.

    “Essa última sobre Youssef é a prova do malefício que o lavajatismo provocou. Juízes e procuradores da ‘lava jato’ são os novos ‘antimidas’: colocam a mão e o processo vira pó. Aplicando nisso tudo a tese dos frutos da árvore envenenada, há tanta nulidade que temo que a carta de Pero Vaz de Caminha possa ser nula. Bastaria que tivesse passado pela ‘lava jato’”, ironizou Streck.

    Exclusão criminosa - Conforme destaca Fernando Augusto Fernandes, o caso revela o apagamento criminoso de provas por parte de servidores públicos. Ele afirmou que o episódio deve ser apurado e tratado com rigor.

    “Não me parece que se esteja diante de uma quebra de cadeia de custódia da prova, mas de criminoso apagamento de provas por parte de servidores públicos. O fato merece rigorosa apuração. Transparece mais uma blindagem da caixa preta que virou a ‘lava jato’.”

    Pedro Serrano, por sua vez, afirmou que há fortes indícios de “ilicitude grave” quanto ao apagamento das provas e sumiço do material em Curitiba.

    “Há forte suspeita de ilicitude. É preciso que o Conselho Nacional de Justiça apure essa questão especificamente e trate com rigor todos os responsáveis.”

    Anulação da delação - Segundo o procurador Celso Tres, o caso dos grampos ilegais possivelmente levará a uma discussão sobre a anulação da delação premiada de Youssef. Ela foi uma das primeiras feitas na “lava jato” e implicou grandes personalidades da República.

    “É possível a advocacia discutir a anulação da delação. Além da má-fé do Estado, com a investigação clandestina, o delator sopesa o quanto o Estado sabe de seus ilícitos — ou seja, qual o risco de ser condenado! — para então negociar a delação; se o Estado soube por meios escusos, viciado de origem o ato.”

    Para ele, ao que tudo indica, não trata-se de caso de interceptação, mas de escuta ambiental clandestina. Por fim, o procurador projetou que a ocultação do material ao longo dos últimos dez anos deve ser investigada.

    “A ocultação dessas gravações ao juiz Appio cabe investigação — ocultação tem caráter permanente, ocorre também com a Lei de Abuso de Autoridade, em seu artigo 23.”

    Defesa vai ao CNJ e ao STF - A defesa de Youssef anunciou a intenção de ir ao Conselho Nacional de Justiça para informar sobre a exclusão do material e sobre o fato de que o HD com os áudios estava escondido na 13ª Vara, sem o conhecimento dos juízes que assumiram o posto após a saída de Sergio Moro e de Luiz Antonio Bonat.

    O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, relator do pedido para anular a delação premiada de Youssef, também será informado. A defesa do doleiro é feita pelo advogado Gustavo Rodrigues Flores.

    “Com relação aos áudios apagados, isso demonstra que houve manipulação. Não se sabe o motivo de terem sido apagados e como foram usados. Agora é esperar as perícias. As informações serão encaminhadas ao ministro Salomão, para que se saiba o que foi sonegado da defesa por todos esses anos, e também ao ministro Toffoli”, disse Flores.

    Preocupação da ‘lava jato’ - Como mostrou a ConJur em maio, integrantes da “lava jato” se mostraram, já em 2015, preocupados com a possibilidade de atos da autodenominada força-tarefa serem anulados após a revelação de métodos “pouco ortodoxos” adotados nas investigações.

    Em conversas entre eles, os procuradores lavajatistas se referiram justamente às escutas encontradas por Youssef. Em um diálogo, eles torcem para que a perícia feita em um computador de delegados envolvidos no grampo não encontre nada.

    “Sai na segunda a entrevista do Marco Aurélio (então ministro do STF, hoje aposentado) dizendo que as escutas podem anular a ‘lava jato’”, diz Deltan em um trecho do diálogo. A conversa é de 4 de julho de 2015 e é reproduzida em sua grafia original.

    Em seguida, o coordenador da “lava jato” sugere se antecipar para que a tese de nulidade não ganhe corpo. A ideia era ouvir Youssef formalmente e pedir para o doleiro dizer que nunca foi confrontado com elementos obtidos nas escutas.

    “O que acham de ouvir Y (Youssef) formalmente (…) preventivamente, antes que eles desenvolvam a tese de nulidade? Arriscado?”

    Um procurador identificado como “Orlando”, possivelmente Orlando Martello, diz que não adiantava ouvir o doleiro, porque eventual nulidade decorreria das informações obtidas ilegalmente por meio da escuta clandestina. Em seguida, diz que o que resta é torcer para “não ter nada” no computador periciado.

    “É melhor não mexer e torcer para não ter nada naquele computador. Apreenderam os computadores dos dps também!”, fala o procurador.

    Deltan responde: “Ich… Tomara que não achem os vazamentos dos DPs kkkk”. Os diálogos não indicam de que tipo de vazamento os procuradores estão falando.

    Na conversa, um procurador identificado apenas como “Diogo”, possivelmente Diogo Castor, afirma que eventual anulação da “lava jato” levaria a uma “revolução”.

    “Quero ver ser macho para anular a ‘lava jato’. Se fizer isto vai ter revolução.”

    “Quero ver ser macho pra devolver mais de R$ 500 milhões para réus confessos”, completa Deltan.

    Arquivamento - Três anos depois, em 2018, o MPF de Curitiba pediu o arquivamento de uma sindicância que apurava o grampo instalado na cela de Youssef sem autorização judicial.

    Em parecer assinado pelos procuradores Januário Paludo e Antonio Carlos Welter, o MPF diz que não era possível concluir que conversas de Youssef foram grampeadas e que os áudios do doleiro poderiam ter sido feitos por celulares que “existiriam” dentro da cela.

    A defesa de Youssef afirma que o MPF inventou a informação de que haveria celulares na cela para se manifestar pelo arquivamento da sindicância e que nunca teriam sido apreendidos aparelhos com o doleiro.

    “Dessa forma (…) não é possível concluir de maneira segura, diante das diligências realizadas, que os áudios foram captados pelo equipamento já existente no forro da cela, uma vez que tais áudios poderiam ter sua origem justamente nas conversas capturadas nesses telefones celulares”, diz trecho do parecer.

    Em maio de 2019, Bonat, sucessor de Moro na 13ª Vara, arquivou a sindicância citando o argumento do MPF de que as gravações poderiam ter sido feitas por celulares apreendidos na cela de Youssef.

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