China coloca os pingos nos is e mira em Trump
Conselho de Estado publica duro relatório sobre guerra tarifária: advertência a "luta até o fim" e sobretaxa de 125% aos EUA, a "piada" da economia global
Por Fernando Capotondo - Embora novos mísseis sejam lançados diariamente na guerra tarifária declarada pelos Estados Unidos contra boa parte do mundo, os olhos do planeta estão voltados para a principal frente dessa batalha: o embate travado pelo presidente Donald Trump contra a República Popular da China. Nesta semana, Pequim respondeu com a elevação das tarifas sobre importações dos EUA para até 125% e a inclusão de 18 empresas norte-americanas na lista de entidades não confiáveis, submetidas agora a um controle mais rígido de exportações. A essas medidas somou-se um documento contundente divulgado por Pequim, que acusa Washington de usar o comércio como instrumento político e de violar os acordos que regem a economia internacional.
O documento, publicado pelo Conselho de Estado — o principal órgão administrativo da China —, foi apresentado no formato de um “Livro Branco”, tradicionalmente utilizado pelo país para explicitar sua posição sobre temas de relevância nacional ou internacional.
Com o extenso título “A posição da China sobre algumas questões relativas às relações econômicas e comerciais entre China e Estados Unidos”, o relatório de 27 páginas condena o que chama de práticas coercitivas, injustas e protecionistas dos EUA, ao mesmo tempo em que apresenta a China como defensora do livre comércio, do multilateralismo e da cooperação global.
"Os 'tarifas recíprocas' impostas pelos Estados Unidos prejudicarão seus próprios interesses e os de outros países, além de representarem uma grave violação das normas da Organização Mundial do Comércio (OMC)", afirma o relatório.
"A história — acrescenta — já demonstrou que o protecionismo comercial não fortalece a economia de um país. Pelo contrário, causa danos severos ao comércio e ao investimento globais, podendo desencadear uma crise econômica e financeira com consequências inevitáveis para todos."
Ao revisitar o histórico das relações comerciais bilaterais, o Livro Branco recorda que “desde o início das tensões comerciais em 2018, os EUA impuseram tarifas sobre exportações chinesas superiores a US$ 500 bilhões, além de implementar políticas para conter e reprimir a China”.
Sobre a atual elevação tarifária, que ao momento da redação do relatório já atingia 145%, o documento denuncia as medidas como reflexo do “isolacionismo e da coerção” dos EUA, em desacordo com os princípios da economia de mercado e do multilateralismo, e alerta para os impactos negativos nas relações econômicas e comerciais entre os dois países.
Embora reconheça que “a China tomou contramedidas firmes para proteger seus interesses nacionais”, o Livro Branco enfatiza que “a confrontação prejudica ambos os lados” e conclama a “soluções através do diálogo igualitário e da cooperação mutuamente benéfica”.
“Uma guerra tarifária não tem vencedores e ir contra o mundo resultará em autoisolamento”, afirmou o presidente Xi Jinping durante encontro com o presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, em Pequim. Na ocasião, Xi fez um apelo à China e à União Europeia para que “resistam conjuntamente à intimidação unilateral” dos EUA.
“Em mais de 70 anos, a China alcançou o desenvolvimento por meio da autossuficiência e do esforço árduo, nunca dependendo da benevolência alheia, e muito menos temendo qualquer tipo de repressão irracional. Não importa como o mundo exterior mude, a China continuará confiante e focada em administrar bem os seus próprios assuntos”, afirmou Xi.
Um recado direto para Trump - As afirmações presentes no Livro Branco reforçam a estratégia chinesa frente ao que considera ser um “abuso tarifário” de Washington. Diferentemente de outros países afetados, que evitaram retaliações por fraqueza ou motivos ideológicos, Pequim já havia anunciado uma série de contramedidas econômicas, além de advertir Donald Trump: “se ele está decidido a travar uma guerra tarifária ou comercial, a China está pronta para lutar até o fim”, declarou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Lin Jian.
“Não criamos problemas, nem nos deixamos intimidar por eles”, reforçou outro comunicado oficial, que, em tom incomum para a diplomacia chinesa, enfatizou que “pressão, chantagem e ameaças não são a maneira correta de lidar com a China”.
Nesse contexto, a Comissão de Tarifas Aduaneiras do Conselho de Estado determinou o aumento para 125% das tarifas adicionais sobre produtos importados dos EUA, em resposta ao que chamou de “ato típico de unilateralismo, protecionismo e intimidação econômica” do presidente norte-americano.
A comissão alertou que, se os EUA impuserem tarifas ainda mais altas, “perderá totalmente o sentido e se tornará uma piada na história da economia mundial”. A entidade acrescentou que “já é impossível para o mercado chinês aceitar as importações norte-americanas com os níveis atuais de tarifa e, se houver novas imposições por parte dos EUA, a China simplesmente as ignorará”.
O Ministério do Comércio chinês também acrescentou seis empresas dos EUA à sua lista de entidades não confiáveis, por envolvimento em vendas de armas e cooperação tecnológica militar com Taiwan, o que, segundo nota oficial, “prejudicou gravemente a soberania nacional, a segurança e os interesses de desenvolvimento da China”.
Pelo mesmo motivo, foram adicionadas outras 12 empresas norte-americanas à lista de controle de exportações, ficando proibidas de comercializar produtos de uso dual (civil e militar) e de manter qualquer atividade de comércio exterior que estivesse em andamento.
A terceira medida anunciada pelo Ministério do Comércio foi a apresentação de uma denúncia formal contra os Estados Unidos junto à OMC, denunciando a “natureza intimidadora e unilateral” das chamadas “tarifas recíprocas” impostas recentemente pela administração Trump.
Sem vencedores nem vencidos - “Quero enfatizar que não há vencedores em uma guerra comercial, e a China não busca confrontos de qualquer tipo. Mas também não ficaremos de braços cruzados quando os direitos legítimos do nosso povo forem feridos ou reprimidos”, afirmou um representante do Ministério do Comércio ao comentar o conteúdo do Livro Branco, segundo informou a agência estatal Xinhua.
Em editorial, a agência de notícias chinesa classificou a postura dos EUA como “extorsão clara e uma perigosa forma de intimidação econômica”, refletindo a lógica de Washington de que “eu posso bater à vontade e você deve aceitar, sem reagir, rendendo-se incondicionalmente”.
“Em resumo — conclui a análise — a guerra comercial da administração Trump, disfarçada de busca por equidade e reciprocidade, é um jogo de soma zero guiado pelo lema ‘América Primeiro’ e pelo excepcionalismo norte-americano”.
O aumento das tarifas impostas pelos EUA já afeta mais de 180 países e regiões, incluindo diversas economias emergentes e menos desenvolvidas do Sul Global. Embora algumas das sanções tenham sido temporariamente suspensas por Trump, analistas e a própria OMC alertam que a nova carga tributária terá “impacto severo e sem precedentes nas nações pobres, com estruturas econômicas simples e fortemente dependentes das exportações”.
“O desenvolvimento é um direito universal de todos os países, não um privilégio de poucos”, reiterou o porta-voz da chancelaria chinesa, Lin Jian, em todas as coletivas de imprensa realizadas nesta semana.
A essa posição diplomática somaram-se três medidas concretas do governo chinês, que indicam o novo rumo adotado por Pequim: o Ministério da Cultura e Turismo emitiu um alerta aos turistas chineses sobre os riscos de viajar para os Estados Unidos; o Ministério da Educação recomendou cautela aos estudantes chineses residentes no exterior ao cursarem universidades em determinados estados norte-americanos; e a Administração de Cinema da China anunciou um plano para reduzir a importação de filmes de Hollywood.
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