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      Sem defesa e sob ameaça de deportação, crianças enfrentam tribunais migratórios nos EUA

      Governo Trump suspende assistência legal a menores não acompanhados, e juíza adverte que medida viola leis de proteção infantil

      Crianças dão as mãos aos pais enquanto caminham com outros migrantes em uma caravana para cruzar o país e chegar à fronteira com os EUA, enquanto líderes regionais se reúnem em Los Angeles para discutir migração e outras questões, em Huixtla, México, em 7 de junho de 2022. (Foto: REUTERS/Quetzalli Nicte-Ha)
      Luis Mauro Filho avatar
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      247 - Em reportagem publicada originalmente pela BBC News Mundo, vêm à tona casos dramáticos de crianças estrangeiras levadas a tribunais migratórios nos Estados Unidos sem representação legal. A situação, agravada por decisões recentes do governo do presidente Donald Trump, escancara o desamparo de menores de idade diante de um sistema judicial complexo e implacável.

      Na sala de audiências do Tribunal de Migração de San Diego, a juíza Olga Attia tenta suavizar a tensão oferecendo um livro de colorir a uma menina de apenas cinco anos. "Assim, você pode ficar mais entretida", diz a magistrada. A criança, vinda do México em março de 2024 com seus irmãos de 13 e 15 anos, enfrenta sozinha um processo de deportação após cruzar a fronteira de forma irregular. Sem pais ou responsáveis, é uma entre as 26 mil crianças que, segundo estimativas, podem acabar nesta mesma situação.

      O episódio ocorre em meio à revogação, em 21 de março, de contratos com dezenas de organizações que ofereciam assistência jurídica gratuita a menores não acompanhados. A justificativa oficial, conforme carta obtida pela Associated Press, foi a “conveniência do governo”. No entanto, uma juíza federal da Califórnia suspendeu temporariamente a decisão até 16 de abril, após ação de 11 entidades que alegaram violação da legislação americana.

      “Como digo à minha cliente de dois anos que ela precisa se defender sozinha?”

      A advogada Daniela Hernández Chong Cuy, que representa 83 menores em Los Angeles, narra um dos casos mais angustiantes. “A mãe saiu grávida do seu país de origem e a bebê nasceu a caminho dos Estados Unidos, no México. Quando se apresentaram na fronteira, uma tinha 15 anos e a outra, um mês”, conta. Ambas, mãe e filha, foram consideradas unidades familiares, mas têm trajetórias distintas de abandono e violência. "Sem uma advogada que defenda seus interesses, duvido que tenham sucesso."

      A defensora explica que está reavaliando seus casos, identificando os mais urgentes, os que têm tribunal definido ou os que envolvem adolescentes prestes a atingir a maioridade. “Pouco mais de 20 dos meus casos são menores em custódia federal e são prioritários. Mas vão permitir que tenhamos acesso a eles? Estamos aguardando.”

      “É como retirar o paraquedas antes de lançar do avião”

      Jonathan D. Ryan, advogado do Texas com duas décadas de experiência, resume com precisão a crueldade da situação: “É como retirar deles o paraquedas antes de lançá-los do avião.” Ele representa 50 menores e dedica cerca de 100 horas a cada pedido de asilo. “A ideia de que qualquer pessoa, ainda mais uma criança, possa se defender sozinha contra um promotor treinado é uma manifestação de crueldade.”

      Ryan lembra que os processos migratórios são civis, portanto, o direito a um advogado público gratuito, como se vê nos filmes policiais, não se aplica. Ainda assim, o Congresso americano aprovou, em 2005, uma lei que determina que menores tenham acesso, “ao máximo possível”, a representação legal competente. A medida foi reforçada pela legislação de 2008 sobre tráfico de pessoas.

      O Centro Acacia para a Justiça, que coordena a rede de assistência com mais de 90 organizações, atende 26 mil menores e orienta outros 100 mil. O programa é financiado com US$ 200 milhões anuais. Mas, mesmo após recuar de uma primeira ordem em fevereiro, o governo Trump insistiu no cancelamento do contrato oito dias antes da data prevista para renovação.

      Sem defensor, sem chance

      A realidade das audiências sem defesa legal é desoladora. Dados do Escritório Executivo de Revisão da Imigração (EOIR) mostram que 95% das crianças com advogado comparecem às audiências, contra apenas 33% daquelas sem representação. A ausência pode resultar em ordens de deportação sumária. E mesmo com presença em tribunal, sem um advogado, as chances de obter “alívio migratório” são mínimas.

      As crianças podem permanecer legalmente no país se demonstrarem abuso, abandono, perseguição ou se forem vítimas de tráfico. Mas, como destacam especialistas ouvidos pela BBC News Mundo, esses processos são juridicamente complexos, exigem comprovação e articulação com diferentes instâncias do sistema de imigração.

      Ryan insiste: “Gasta-se centenas de milhares de dólares com os juízes, promotores, intérpretes e a estrutura do tribunal. O menor custo é o do advogado da criança, e é o mínimo que podemos fazer.”

      Alvo de perseguição institucional

      A ofensiva do governo Trump vai além do cancelamento de contratos. Um memorando da Casa Branca de 21 de março, intitulado "Prevenir abusos no sistema judiciário", acusa advogados de imigração de aconselharem clientes a mentir e omitir informações. A procuradora-geral Pam Bondi foi instruída a revisar a conduta de todos os escritórios que processaram o governo federal nos últimos oito anos.

      Ryan vê na medida uma tentativa de intimidação. “Mas qualquer pessoa que se aproximar de uma destas salas e observar, no banco dos réus, uma criança cujos pés não chegam sequer a tocar o piso saberá, no fundo do seu coração e seja qual for sua inclinação política, que alguém deveria estar sentado ao lado dela.”

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