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"Precisamos de uma nova globalização, uma globalização de face humana", diz Lula em Genebra

O presidente participou do lançamento da Coalizão Global para Justiça Social no âmbito da 112ª Conferência Internacional do Trabalho

Lula discursa em Genebra (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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Agência Gov – Ao discursar em evento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nesta quinta-feira (13/6), em Genebra, na Suíça, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o trabalho informal, a precarização e a pobreza persistem no mundo e defendeu a necessidade de pavimentar o caminho para um novo contrato social, que coloque o ser humano no centro das políticas.

“Apesar das projeções da taxa de desemprego mundial para este ano e o próximo apontarem modesta diminuição de 5% para 4,9%, não devemos nos iludir. A informalidade, a precarização e a pobreza são persistentes. O número de pessoas em empregos informais saltou de aproximadamente 1,7 bilhão, em 2005, para 2 bilhões neste ano. A renda do trabalho segue em queda para os menos escolarizados. As novas gerações não encontram espaço no mercado”, disse Lula.

O presidente participou do lançamento da Coalizão Global para Justiça Social no âmbito da 112ª Conferência Internacional do Trabalho. Aos presentes, Lula disse que vivemos sob uma arquitetura financeira disfuncional, que alimenta desigualdades. “Não se pode discutir economia e finanças sem discutir emprego e renda. Precisamos de uma nova globalização, uma globalização de face humana”. E acrescentou: “Queremos pavimentar o caminho para um novo contrato social, que coloque o ser humano no centro das políticas”.

O presidente também abordou a questão ambiental e lembrou que a crise climática será prioridade da COP-30, a ser realizada em novembro de 2025, em Belém (PA). “As florestas tropicais não são santuários para o deleite da elite global. Tampouco podem ser tratadas como depósitos de riquezas a serem exportadas. Debaixo de cada árvore vivem trabalhadoras e trabalhadores que precisam de emprego e renda. A sociobioeconomia, a industrialização verde e as energias renováveis são grandes oportunidades para ampliar o bem-estar coletivo e efetivar a transição justa que defendemos”, disse.

Os conflitos na Faixa de Gaza e entre a Rússia e a Ucrânia foram citados por Lula no discurso. “Trabalhadores que deveriam dedicar-se a suas vidas e famílias são direcionados para frentes de batalha de onde ninguém sabe se irá voltar e quem sairá vencedor.”

Confira a Íntegra do discurso

É com grande satisfação que participo da 112a (centésima décima segunda) Conferência Internacional do Trabalho. Retorno à OIT com esperança renovada na atuação conjunta de governos, trabalhadores e empregadores para superar tempos adversos.

Não foram poucas as vezes em que o mundo voltou seus olhos para a OIT em busca de soluções ao longo de seus 100 anos de história. Esta é uma das primeiras organizações internacionais a ganhar o prêmio Nobel da Paz, em 1969. Foi nesta assembleia, em maio de 2003, que escolhi fazer meu primeiro discurso em um organismo das Nações Unidas como chefe de estado. E foi aqui que nos reunimos para discutir a crise do emprego causada pelo colapso financeiro de 2008.

Desta vez, vivemos um contexto global muito mais complexo. Nossas sociedades ainda se recuperam dos efeitos da pandemia de covid-19 em ritmos muito desiguais. Novas tensões geopolíticas se somam a conflitos existentes em diferentes partes do planeta. As transições energética e digital já impacientam trabalhadores de todos os países.

Os efeitos da mudança climática têm deteriorado a qualidade de vida ao redor do mundo. Atualmente, 2,4 bilhões de trabalhadores são afetados diretamente pelo calor excessivo.

O papel da OIT e de seu arranjo tripartite é ainda mais relevante hoje do que quando foi criada. Nunca, nunca a justiça social foi tão crucial para a humanidade. É central resgatar o espírito da Declaração da Filadélfia, adotada há 80 anos atrás. Nela consignamos que o trabalho não deve ser tratado como mercadoria, mas sim fonte de dignidade. O bem-estar de cada um depende do bem-estar de todos.

Como afirmou o Papa Francisco, não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza e nem justiça na desigualdade. Por isso, aceitei o convite do diretor-geral Gilbert para copresidir a Coalizão Global para a Justiça Social. Ela será instrumental para implementar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

O ODS 8 (oitavo item dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) sobre “Trabalho Decente para Todos” não está avançando na velocidade e na escala necessárias para o cumprimento de seus indicadores. Apesar das projeções da taxa de desemprego mundial para este ano e o próximo apontarem modesta diminuição de 5% para 4,9%, não devemos nos iludir. A informalidade, a precarização e a pobreza são persistentes.

O número de pessoas em empregos informais saltou de aproximadamente 1,7 bilhão, em 2005, para 2 bilhões neste ano. A renda do trabalho segue em queda para os menos escolarizados. As novas gerações não encontram espaço no mercado. Muitos não estudam, nem trabalham. Há elevado desalento.

Quase 215 milhões – mais do que a população do Brasil – vivem em extrema pobreza mesmo estando empregados.

As desigualdades de gênero, raça, orientação sexual e origem geográfica são agravantes desse cenário. Em todo o mundo, as mulheres são um dos elos mais vulneráveis da cadeia do trabalho. A máxima “salário igual para trabalho igual” ainda é uma utopia. Mais de meio bilhão de mulheres em idade ativa estão fora da força de trabalho devido à divisão desigual das responsabilidades familiares e dos cuidados.

Dos 280 milhões de migrantes em todo o mundo, 80% vivem no Sul Global. Em muitos casos, as remessas desses trabalhadores superam os investimentos estrangeiros em seu país de origem. Quase 650 bilhões de dólares foram enviados por imigrantes a países de baixa renda e média renda. Esses recursos são fundamentais, mas insuficientes.

Temos uma arquitetura financeira disfuncional, que alimenta desigualdades. Os bancos de desenvolvimento investem muito pouco.

Senhoras e senhores,

Há um provérbio antigo que afirma que “se queremos paz, temos de nos preparar para a guerra”. Ao lançar a pedra fundamental da OIT, nossos antecessores sabiam e subverteram essa lógica ao consagrar o lema “se desejas a paz, cultiva e não permita a injustiça”.

Essa máxima é ainda mais pertinente hoje. As guerras na Ucrânia, em Gaza e tantos outros conflitos esquecidos nos afastam desse ideal. Trabalhadores que deveriam dedicar-se a suas vidas e famílias são direcionados para frentes de batalha de onde ninguém sabe se irá voltar e quem sairá vencedor.

Foi assim na Primeira Guerra Mundial, de cujos escombros saíram a Liga das Nações e a própria OIT. A Segunda Guerra Mundial terminou com 70 milhões de mortos, 3% da população da época – majoritariamente jovens e com pouca idade.

O ano de 2023 viu o gasto com armamentos subir 7% em relação a 2022, chegando a 2,4 trilhões de dólares. A irracionalidade de um conflito na Europa reacende os temores de uma catástrofe nuclear. Em Gaza, há mais de 37 mil vítimas fatais. A maioria são mulheres e crianças.

Esse conflito também acumula o triste recorde de mortes de trabalhadores humanitários. Por isso é importante afirmar: o mundo precisa de paz e prosperidade E não de guerra.

Em 2024, o maior número de eleitores da História se dirigirá às urnas. Quase metade da população mundial participará de processos eleitorais, renovando as esperanças de um futuro melhor. A democracia e a participação social são essenciais para a conquista de direitos trabalhistas. Sem a democracia, um torneiro mecânico jamais teria chegado à Presidência da República de um país como o Brasil.

Os ataques à democracia historicamente implicaram a perda de direitos. Não é mera coincidência que meu país foi investigado por violar normas desta Organização durante o governo de meu antecessor.

O extremismo político ataca e silencia minorias, negligencia os mais vulneráveis e vende muita ilusão. A negação da política deixa um vácuo a ser preenchido por aventureiros que espalham a mentira e o ódio.

A contestação da ordem vigente não pode ser privilégio da extrema direita. A bandeira anti-hegemônica precisa ser recuperada pelos setores populares progressistas e democratas.

Recuperar o papel do Estado como planejador do desenvolvimento é uma tarefa urgente. A mão invisível do mercado só agrava desigualdades. O crescimento da produtividade não tem sido acompanhado pelo aumento dos salários, gerando insatisfação e muita polarização.

Não se pode discutir economia e finanças sem discutir emprego e renda. Precisamos de uma nova globalização – uma globalização de face humana. A justiça social e a luta contra as desigualdades são prioridades da presidência do Brasil do G20 que se realizara em novembro próximo.

Fiz questão de convidar a OIT para contribuir com as discussões do Grupo. Estamos discutindo como promover uma transição justa e utilizar as tecnologias emergentes para melhorar o universo laboral.

Nossa iniciativa prioritária, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, busca acelerar os esforços para eliminar essas chagas.

O Brasil está impulsionando a proposta de taxação dos super-ricos nos debates do G-20.

Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. Estamos falando de 3 mil pessoas que detêm quase US$ 15 trilhões em patrimônio. Isso representa a soma dos PIBs do Japão, da Alemanha, da Índia e do Reino Unido. É mais do que se estima ser necessário para os países em desenvolvimento lidarem com a mudança climática.

A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Não precisamos buscar soluções em Marte. É a Terra que precisa do nosso cuidado.

As enchentes que levaram destruição ao Sul do Brasil, ao Quênia e à China, e as secas na Amazônia, na Europa e no continente africano mostram que o planeta já não aguenta mais. A crise climática será prioridade da COP-30 que será feita na cidade de Belém em um estado da Amazônia.

As florestas tropicais não são santuários para o deleite da elite global. Tampouco podem ser tratadas como depósitos de riquezas a serem exportadas. Debaixo de cada árvore vivem trabalhadoras e trabalhadores que precisam de emprego e renda.

A sociobioeconomia, a industrialização verde e as energias renováveis são grandes oportunidades para ampliar o bem-estar coletivo e efetivar a transição justa que defendemos.

Ações e políticas voltadas para o desenvolvimento de habilidades digitais e sustentáveis serão fundamentais em uma economia global cada vez mais descarbonizada e intensiva em tecnologia.

Nas revoluções industriais anteriores, aprendemos que inovações tecnológicas podem ampliar os horizontes da humanidade. Mas foi a luta dos trabalhadores que disciplinou e democratizou seu uso.

A inteligência artificial transformará radicalmente nosso modo de vida. Teremos que atuar para que seus benefícios cheguem a todos e não apenas aos mesmos países que sempre ficam com a parte melhor. Do contrário, tenderá a reforçar vieses e hierarquias geopolíticas, culturais, sociais e de gênero.

Um terço da população mundial está fora da Internet, e parcela ainda maior não usufrui de conectividade significativa. A diversidade linguística ainda não está adequadamente representada no ambiente digital. O poder computacional necessário para mover suas engrenagens é desigualmente distribuído. Seu insumo essencial são nossos dados, nossa atenção e nosso tempo, e é disputado ferozmente por um punhado de empresas.

Nenhum país é capaz de resolver sozinho os dilemas que afetam toda a sociedade internacional. Precisamos buscar as melhores experiências onde quer que elas estejam para que a gente possa colocar em prática no mundo inteiro.

O Brasil se inspirou no governo espanhol, sob a liderança de Pedro Sanchez, para regular o trabalho por aplicativos de transporte e promover um acordo sobre jornadas de trabalho, salários e previdência social.

O presidente Biden mostrou-se um grande aliado na construção de um novo marco para a construção de uma relação entre capital e trabalho. Esse é o sentido da Parceria para o Direito dos Trabalhadores que lançamos na ONU, no ano passado, ao lado do Diretor-Geral, nosso companheiro Houngbo.

Queremos pavimentar o caminho para um novo contrato social, que coloque o ser humano no centro das políticas.

Em meu terceiro mandato, tenho renovado o compromisso com o mundo do trabalho. Tenho certeza de que retomamos as políticas de valorização do salário mínimo, de erradicação do trabalho infantil e de combate a formas contemporâneas de escravidão.

Aprovamos uma lei sobre igualdade de remuneração entre homens e mulheres e nos somamos ao chamado da OIT para que mais países, sindicatos e empresas integrem a Coalizão Internacional pela Igualdade Salarial.

Também estamos formulando um Plano Nacional de Cuidados que considera as desigualdades de classe, gênero, de raça, idade, deficiências e territórios, com olhar especial para o mundo do trabalho doméstico.

Temos uma política forte de geração de emprego e de reindustrialização do país, com responsabilidade fiscal.

Somente a indústria automobilística anunciou investimentos de 25 bilhões de dólares, o que não acontecia no Brasil há mais de 40 anos.

Um país que gera condições de investimento está protegendo seus trabalhadores, está gerando emprego e permitindo que a massa salarial cresça.

Quando a economia cresce, o desemprego diminui e a renda aumenta. São 2,2 milhões de empregos formais criados desde o início do meu governo. O desemprego no primeiro trimestre deste ano foi o menor desde 2014.

Senhoras e senhores,

Ao longo de mais de um século, a OIT contribuiu para inúmeras conquistas que elevaram o padrão de qualidade de vida das pessoas e fortaleceram a paz, segurança e prosperidade.

A Coalizão Global que estamos lançando hoje será uma ferramenta central para construir uma transição com justiça social, trabalho decente e igualdade. Isso será particularmente importante neste contexto de transição para uma ordem multipolar, que exigirá mudanças profundas nas instituições.

Por isso o Brasil vai trabalhar pela ratificação da Emenda de 1986 à Constituição da OIT, que propõe eliminar os assentos permanentes dos países mais industrializados no Conselho da Organização.

Não faz sentido apelar aos países em desenvolvimento para que contribuam para a resolução das crises que o mundo enfrenta hoje sem que estejam adequadamente representados nos principais órgãos de governança global.

Nossas decisões só terão legitimidade e eficácia se tomadas e implementadas democraticamente. Esse é o melhor caminho a seguir para garantir o desenvolvimento sustentável, os direitos dos mais vulneráveis e a proteção do planeta.

Vamos semear a justiça e colher a paz de que o mundo tanto precisa.

Muito obrigado.

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