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    Decisão do STF pode ser estendida a outros delatores e delatados e 'matar' a Lava Jato, avaliam juristas

    "A decisão de Toffoli coloca uma pá de cal no que resta do cadáver da Lava Jato", diz o jurista Lenio Streck sobre a anulação das investigações e processos contra Marcelo Odebrecht

    Fachada do STF, Ministro Dias Toffoli e Sérgio Moro (Foto: ABr | STF | Reuters)

    Sérgio Rodas, Conjur - A decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de anular todos os atos praticados no âmbito da Lava Jato” contra o executivo Marcelo Odebrecht pode ser estendida a outros delatores, inclusive os demais 76 da empreiteira, e a delatados do caso.

    Para isso, porém, eles devem provar que foram coagidos a firmar acordo de colaboração premiada ou que foram indevidamente prejudicados por termos celebrados mediante violação de direitos. Dessa forma, a decisão de Toffoli pode ser uma “pá de cal” na “Lava Jato”, na avaliação dos advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

    Em sua decisão, proferida na terça-feira (21/5), o ministro também determinou o trancamento de todos os procedimentos penais instaurados contra Marcelo Odebrecht, mantendo apenas o acordo de colaboração premiada firmado durante a “Lava Jato”. Ele entendeu que o Estado tem de cumprir os compromissos assumidos na delação.

    O magistrado afirmou que procuradores e o ex-juiz Sergio Moro atuaram em conjunto, ignorando o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa “e a própria institucionalidade” em nome de objetivos “pessoais e políticos”, o que é inadmissível em um Estado democrático de Direito.

    De acordo com Toffoli, os procuradores da “Lava Jato” e Moro atuaram em um “verdadeiro conluio” para inviabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa nos casos contra Marcelo Odebrecht. Segundo o ministro, o juiz e o MPF usaram ameaças a parentes do empresário, exigiram que ele renunciasse a seu direito de defesa como condição para obter liberdade e combinaram estratégias e medidas contra o réu.

    Além disso, o ministro disse que os diálogos entre Moro e procuradores apreendidos na “operação spoofing” apontam que a parcialidade do ex-juiz “extrapolou todos os limites”, revelando um padrão de conduta condenável durante os anos de “Lava Jato”.

    Extensão da decisão - A decisão de Toffoli pode, em tese, ser estendida a outros delatores e delatados, avalia Alberto Zacharias Toron, professor de Direito Processual Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). Ele, no entanto, ressalta que isso deve ser examinado caso a caso. O criminalista também diz que a medida é um golpe fatal na “Lava Jato”.

    “Os termos amplos da decisão do ministro Dias Toffoli representam a completa derrocada da ‘lLava Jato’. Nos termos em que foi lavrada, com sua amplitude, a decisão promove quase que uma declaração da integral ilegalidade da operação.”

    Nessa mesma linha, o jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, aponta que é preciso responsabilizar os lavajatistas por seus abusos.

    “A decisão deverá ser estendida aos demais executivos. Veja-se o tamanho do estrago feito pela dupla Moro-Dallagnol/força-tarefa. A decisão de Toffoli coloca uma pá de cal no que resta do cadáver da 'Lava Jato’. O que impressiona é que Moro e (Deltan) Dallagnol ainda não estejam sendo processados por todas essas ilegalidades. Veja-se o prejuízo financeiro que causaram. Segundo o próprio ex-procurador-geral da República Augusto Aras, foram mais de R$ 400 bilhões. A Justiça tem de ir atrás de Moro, Dallagnol e demais atores da ‘Lava Jato’. A decisão de Toffoli é o patamar a ser utilizado pelo Ministério Público para processar os envolvidos”

    Luís Henrique Machado, professor de Processo Penal do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), faz a ressalva de que a decisão não se aplica automaticamente a todos os delatores e delatados da Odebrecht e da “Lava Jato” em geral.

    “É necessário comprovar que o conluio entre o juiz e os procuradores afetou cada caso concreto. Divagações, conjecturas e ilações não são suficientes para se estender (a decisão) aos demais delatores. Deve haver a conexão dos fatos para a eventual alegação de nulidade.”

    Na visão de Machado, a decisão do ministro “representa um freio de arrumação na operação ‘Lava Jato’”. “O trabalho em patota, entre MP e magistratura, não guarda qualquer correspondência com o Estado de Direito. Tofolli, acertadamente, fez o que tinha de ser feito.”

    Em nome da segurança jurídica, os efeitos da decisão do ministro do Supremo só devem ser estendidos àqueles casos em que se verifiquem situação semelhante à de Marcelo Odebrecht e violações ao devido processo legal, destaca o criminalista Rogério Taffarello, professor da Fundação Getulio Vargas.

    A sentença de Toffoli “representa uma das maiores derrotas para os métodos de alguns dos principais protagonistas da ‘Lava Jato'”, opina o advogado.

    “Precisamos ter cuidado com generalizações, que têm sido muito comuns no debate público sobre o tema, e não se pode negar que houve e há, infelizmente, muita corrupção no país, a qual deve ser combatida, e não se pode recusar a relevância de muitos dos achados das investigações. Os meios não justificam os fins, porém, e uma das reflexões necessárias para o momento é que o enfrentamento à corrupção deve ser feito sem atalhos, respeitando-se o devido processo legal. Não se aplica a lei violando-se a lei, e em alguns casos parece ter havido uma aposta alta de alguns, que acabou dando errado no longo prazo.”

    Caminho da decisão - No caso concreto julgado por Toffoli, os advogados Eduardo Sanz e Nabor Bulhões pediram que o ministro estendesse a Marcelo Odebrecht os efeitos da decisão na qual ele anulou todos os procedimentos da “Lava Jato” contra o ex-governador do Paraná e hoje deputado federal Beto Richa (PSDB).

    Com base em diálogos da “operação spoofing”, a defesa de Richa — feita pelo advogado Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch — indicou que os procuradores da “Lava Jato” e Moro atuaram de forma coordenada para incriminar o então governador mesmo antes de haver denúncias contra ele.

    Sanz e Bulhões sustentaram que as mensagens de Telegram entre lavajatistas revelaram a violação do princípio da imparcialidade. Isso ocorreu, conforme os advogados, mediante a “prática de fraude e conluio entre procuradores e juiz para manipular investigações, depoimentos, fatos, processos, acordos de colaboração e regras de competência em detrimento dos direitos fundamentais do peticionário Marcelo Bahia Odebrecht e de outros acusados em processos penais”.

    Em setembro de 2023, Toffoli anulou todas as provas obtidas nos sistemas Drousys e My Web Day utilizadas a partir da leniência da Odebrecht na “Lava Jato”, em todas as esferas. A anulação decorreu da quebra da cadeia de custódia no manuseio do material, obtido antes da leniência por meio de cooperação internacional feita fora dos meios oficiais.

    Arquivos problemáticos - Segundo o Ministério Público Federal, os sistemas My Web Day e Drousys eram utilizados pelo “setor de operações estruturadas” da Odebrecht. Dados desses sistemas foram usados para embasar ações penais contra o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas peritos da Polícia Federal admitiram que os documentos copiados do “setor de operações estruturadas” da Odebrecht podem ter sido adulterados.

    Foram constatadas inconsistências, como o fato de que documentos que incriminavam Lula tinham data posterior à sua data de apreensão na Suíça. Também foi revelado em mensagens entre procuradores da “Lava Jato”, obtidas por hackers e apreendidas pela PF, que o material que embasou a acusação contra Lula em 2018 era transportado em sacolas de supermercado.

    Em maio de 2023, o MPF paranaense destruiu, com autorização judicial, sete discos rígidos com as cópias dos sistemas da empreiteira, informações que foram extraídas em 2018 de uma cópia da Polícia Federal, cuja integridade era contestada.

    O acordo de delação da Odebrecht — o maior da história da Justiça brasileira, envolvendo 77 executivos — foi homologado em 2017 e, apesar de fazer muito barulho, resultou em muitas nulidades e poucas condenações.

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