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    O silêncio do Guaíba

    A tragédia do Rio Grande do Sul só em parte foi causada pelas chuvas. O resto é o resultado de dirigentes negacionistas e, principalmente de um agronegócio predador e autoritário

    Ao Butim (Foto: Celso Schroederer)

    Por Celso Schroederer - Porto Alegre, com boa parte do estado do Rio Grande do Sul, está cinza e silencioso. Uma ameaça concreta paira sobre o estado e sua capital. O rio Guaíba, chamado de lago pelos especuladores que lhe roubaram boa parte das margens para construir shoppings, estádio de futebol e prédios luxuosos se move, marrom, ameaçador, de maneira calma, mas inexorável sobre as áreas que eram suas e sobre outras tantas numa espécie de vingança que esperou 83 anos. 

    Com os sacos de cimento e lonas a postos espero impotente, com meus vizinhos, o rio chegar. A vingança do rio não é gratuita ou exagerada. Ele foi durante décadas vilipendiado, usurpado e sofreu com o resto dos outros rios do estado, a pressão do descaso, da ganância econômica e da adoção, a partir dos anos 1970, de um modelo econômico assentado na monocultura que desmatou, queimou pastos e envenenou e assoreou os rios. Este modelo foi garantido pela mídia amiga, pela justiça cooptada, pelo parlamento comprometido e por sucessões de governos executivos a serviço deste modelo. Neste último ano a maioria governista do legislativo gaúcho, capitaneado pelo governador neoliberal, numa espécie de macabra boas vindas à tragédia, flexibilizou a legislação de meio ambiente duramente constituída ao longo do tempo. 

    A tragédia do Rio Grande do Sul só em parte foi causada pelas chuvas. O resto é o resultado de dirigentes negacionistas da grande crise climática global e, principalmente de um agronegócio predador e autoritário . O prefeito da capital não foi capaz sequer de colocar óleo nas dobradiças dos ineficazes portões das comportas planejadas a partir da grande enchente de 1941, mesmo depois de cheias precursoras acontecidas agora em setembro passado. O governador, ocupado em privatizar os bens públicos é refém do modelo econômico que despreza o conhecimento, se abraça na ajuda federal e, assim como na pandemia, pede ajuda divina e pix, claro. 

    A repetição, piorada, da enchente de 1941 é uma melancólica confirmação da falência da elite econômica e política do estado e de sua capital que foi incapaz de aprender com as experiências de Veneza e da Holanda, por exemplo. O silêncio furioso do rio é a reação inevitável da natureza.

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