Planos de saúde pedem suspensão de consulta que pode mudar regras do setor e favorecer interesses privados
Proposta de alteração foi bomba-relógio que o ex-presidente Paulo Rebello deixou para o sucessor Wadih Damous
247 – A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) solicitou à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a suspensão imediata da consulta pública nº 145, que discute um conjunto amplo de propostas capazes de alterar profundamente o funcionamento das empresas de saúde. A informação foi divulgada pelo Painel S.A., da Folha de S.Paulo.
A consulta, aberta no dia 19 de dezembro e prevista para encerrar em fevereiro de 2025, trata da revisão da política de preços e reajuste dos planos, além de mecanismos de regulação financeira, venda online e reequilíbrio financeiro de contratos. “Esta medida da ANS pode autorizar mais de um reajuste anual para planos individuais”, aponta o texto divulgado pela própria agência, reforçando a dimensão das mudanças em pauta. Um dos temores do setor é que as medidas proposta pela ANS favoreçam interesses privados – e escusos – de determinados participantes do mercado.
Em documento encaminhado ao presidente interino da ANS, a Abramge afirma que cada um dos temas possui potencial “para alterar o horizonte regulatório de forma decisiva”. Segundo a associação, a combinação de discussões tão diferentes em uma única consulta prejudica a participação social, porque não haveria tempo suficiente para formular críticas e sugestões qualificadas. “[A Abramge] compreende que a condução da consulta pública com temas tão díspares e de tamanho impacto viola a participação social, atraindo a nulidade do ato, haja visto impede que a sociedade tenha tempo e organização para apresentar críticas e sugestões relevantes e profundas sobre os temas regulatórios postos em análise”, diz o ofício.
A Abramge também propõe que, se a suspensão não for acatada, a ANS estabeleça um prazo sucessivo de 45 dias para cada tema, para que operadoras, prestadores de serviços e consumidores possam avaliar e contribuir de forma adequada. A entidade entende que essa seria a melhor maneira de garantir um debate equilibrado, dado o alto impacto das mudanças na forma de contratação, pagamento e monitoramento dos planos de saúde.
A solicitação abre uma disputa sobre a condução das novas regras, que podem impactar milhões de usuários. Por enquanto, a ANS mantém o calendário oficial de encerramento da consulta para fevereiro de 2025, mas o posicionamento da associação pressiona a agência a rever sua estratégia de audiência pública e analisar a viabilidade de fracionar os debates.
Em reportagem publicada no dia 20 de dezembro, o Brasil 247 publicou reportagem apontando que esta consulta pública foi uma bomba-relógio que o ex-presidente da ANS, Paulo Rebello, deixou para seu sucessor Wadih Damous. Relembre:
247 – O presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello, encerra seu mandato neste sábado (21), deixando uma bomba-relógio para seu sucessor no cargo, Wadih Damous, que será sabatinado pelo Senado em fevereiro. Nomeado diretor-presidente da ANS em 2021, no governo de Jair Bolsonaro, ele apresentou um pacote de mudanças regulatórias que tem gerado duras críticas de analistas e especialistas do setor.
As propostas, que incluem alterações no cálculo de reajustes de planos coletivos, limites de coparticipação e a revisão técnica de planos individuais, foram amplamente criticadas por instituições como o BTG Pactual e o Itaú BBA. Os relatórios dessas instituições, divulgados nesta semana, destacam os potenciais riscos das mudanças e apontam que elas podem prejudicar tanto consumidores quanto a sustentabilidade do mercado. As empresas mais afetadas seriam aquelas que oferecem mais planos coletivos, enquanto há risco de favorecimento de empresas com maior carteira de planos individuais.
Críticas à regulação e riscos ao mercado
O relatório do BTG Pactual, assinado pelos analistas Samuel Alves e Yan Cesquim, classifica as propostas como "negativas". Segundo eles, a ausência de avanços concretos na revisão técnica de planos individuais é preocupante, especialmente porque essa medida era vista como uma possível solução para os problemas financeiros enfrentados por operadoras. "A falta de clareza na proposta é frustrante, pois limita a previsibilidade do mercado e adia possíveis soluções para problemas financeiros enfrentados por operadoras que lidam com planos individuais", afirmam os analistas.
Já o Itaú BBA, representado pelo analista Vinícius Figueiredo, aponta riscos específicos no segmento de planos coletivos. Entre as mudanças mais relevantes, destaca-se a ampliação do pool de risco de 29 para 1.000 beneficiários. Segundo o relatório, isso poderia aumentar o risco de seleção adversa, em que clientes de maior sinistralidade permanecem nos contratos, enquanto os de menor uso optam por cancelamentos. "Essa alteração afetaria cerca de 60% da carteira de planos corporativos, impactando diretamente a capacidade das operadoras de equilibrar custos e receitas", alerta Figueiredo.
Outra preocupação levantada é o estabelecimento de um índice mínimo de sinistralidade de 75% para o cálculo de reajustes, o que pode restringir a flexibilidade das operadoras para ajustar preços conforme a inflação médica.
Ambos os relatórios destacam ainda os limites propostos para a coparticipação. A ANS pretende limitar os valores a 30% por procedimento e criar tetos mensais e anuais baseados na mensalidade do plano. Para o Itaú BBA, essas restrições podem dificultar o controle de custos pelas operadoras, além de reduzir a acessibilidade para novos clientes devido ao aumento nos preços iniciais dos planos.
Denúncias de servidores da ANS
A Associação Nacional de Saúde Suplementar (Assetans), que representa servidores da ANS, reforça as críticas. Em manifesto divulgado nesta semana, os servidores acusaram a diretoria de beneficiar algumas operadoras de planos de saúde em detrimento dos consumidores. "Temas sensíveis foram deliberados de forma açodada, sem consulta adequada a especialistas ou participação social", diz o documento.
O texto também aponta a falta de transparência no processo de aprovação das mudanças e a condução apressada de temas como o "Cartão Desconto", que oferece abatimentos fora do escopo regulatório da ANS. "Causa estranheza a pouca quantidade de documentos e estudos técnicos disponibilizados para justificar determinadas escolhas normativas", criticam os servidores.
Com a saída de Paulo Rebello, o sucessor Wadih Damous assumirá a presidência da ANS em um contexto de grande controvérsia, tendo que não apenas avaliar propostas que colocam em risco o equilíbrio da competição no mercado, como também lidar com as denúncias feitas pelos próprios servidores da ANS.
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