Em entrevista desastrada, presidente da Paper admite ter atuado à margem da lei na compra da Eldorado
Na véspera de uma audiência de conciliação no STF, Cláudio Cotrim tenta impor ao governo e ao Judiciário uma decisão favorável ao grupo sino-indonésio
247 – Em entrevista concedida à Folha de S. Paulo, Cláudio Cotrim, presidente da Paper Excellence no Brasil, expôs uma postura que beira a arrogância ao comentar a disputa com a J&F pela Eldorado Brasil Celulose. Em uma fala desastrada, Cotrim admitiu que a empresa, controlada pelo empresário indonésio Jackson Wijaya, atuou fora da conformidade legal ao não consultar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) antes da tentativa de aquisição das terras, algo exigido pela legislação brasileira. O presidente da Paper agora busca, de forma ostensiva, pressionar o Judiciário e o Executivo a aceitarem suas condições, a fim de regularizar a transação.
O executivo afirmou que a Paper protocolou um pedido no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o enviou à Advocacia-Geral da União (AGU) para formalizar um termo de compromisso. “Nos comprometemos em vender as terras e converter todos os contratos de arrendamento em parceria rural, que, pela legislação, é aceita. Dessa forma, a gente soluciona de uma vez o problema”, declarou Cotrim, em um tom que tentava minimizar a relevância da violação, como se a falta de conformidade legal pudesse ser resolvida por simples compromisso posterior.
No entanto, mais preocupante do que a confissão de atuação à margem da lei foi a tentativa de constranger as autoridades brasileiras, sugerindo que elas não teriam o direito de rejeitar sua proposta. “Qual seria o argumento para [o governo] rejeitar esse termo de compromisso? Acho difícil achar uma razão para que não seja aceito”, declarou, deixando implícita a insinuação de que uma decisão contrária ao seu pedido seria irracional.
O presidente da Paper Excellence não hesitou em criticar o Judiciário e órgãos técnicos, insinuando que as decisões que questionam a legalidade da aquisição seriam motivadas por influência política e não por critérios técnicos ou legais. Cotrim afirmou, sem apresentar provas, que, numa reunião em Frankfurt, seus adversários no contencioso comercial teriam dito que tinham “influência política".
A disputa pela Eldorado está em um ponto crítico, e as declarações de Cotrim chegam às vésperas de uma audiência de conciliação no STF, marcada para esta segunda-feira 18, às 17 horas, pelo ministro Kassio Nunes Marques. A decisão do Incra, que recentemente concluiu pela nulidade do contrato, junto com os pareceres da AGU e do MPF em defesa da anulação da compra, reforça a necessidade de cumprimento das normas que regem a aquisição de terras por empresas de capital estrangeiro.
O despacho, publicado na noite de quarta-feira (13), cumpre pareceres da AGU (Advocacia-Geral da União), que orientou que a decisão fosse comunicada à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e à Junta Comercial de São Paulo para "evitar a formalização do negócio". A comunicação foi também encaminhada ao MPF (Ministério Público Federal) para "eventuais providências cabíveis".
Entenda os fundamentos da decisão do Incra
A decisão do órgão reafirma a necessidade de cumprimento da lei brasileira para celebração do contrato. A legislação estabelece que empresas controladas por capital estrangeiro só podem adquirir ou arrendar imóveis rurais no Brasil com aprovação prévia do Incra e do Congresso Nacional, mesmo quando a aquisição ocorre por meio de ações de empresas brasileiras que controlam as terras.
O Conselho Diretor do Incra baseou sua decisão, publicada em 1º de novembro, em pareceres técnicos da Coordenação-Geral de Cadastro Rural e da Procuradoria Federal Especializada (PFE) do órgão, que decidiram pela rejeição do recurso da empresa sino-indonésia. Antes disso, outros três recursos já haviam sido negados pela Superintendência Regional do Incra em Mato Grosso do Sul, pelo Comitê de Decisão Regional (CDR) e pela Diretoria de Governança Fundiária.
Seguindo determinação do Conselho Diretor, a Superintendência Regional do Incra em Mato Grosso do Sul concluiu o processo administrativo e considerou o contrato nulo.
A decisão foi tomada após a rejeição do último recurso da empresa estrangeira e confirma a ilegalidade do negócio. A AGU e o MPF também defendem a anulação do contrato. A AGU enfatizou que, antes da assinatura do contrato que resultaria na compra ou arrendamento de imóveis rurais por uma empresa controlada por capital estrangeiro, como no caso da Eldorado, a Paper Excellence deveria ter obtido as aprovações necessárias. A Eldorado controla mais de 400 mil hectares de terras em Mato Grosso do Sul, entre áreas próprias e arrendadas.
O MPF, em três instâncias judiciais, também defende que o negócio deve ser considerado nulo de pleno direito, argumentando que a Paper, como empresa de capital estrangeiro, não buscou as autorizações exigidas pela lei brasileira. Com a entrevista concedida à Folha, Cotrim busca resolver a ilegalidade com um mero termo de compromisso posterior ao negócio.
Em resposta à reportagem do Brasil 247, a Paper Excellence enviou uma nota, em que contesta alguns pontos:
Não há nenhuma violação da Lei em relação ao negócio envolvendo a Eldorado. A Paper é proprietária de 49,41% das ações — sendo, portanto, acionista minoritária e não controladora.
A Paper não tem a intenção de pressionar os Poderes Executivo ou Judiciário para regularizar a situação, até mesmo porque a participação societária da Paper na Eldorado não é irregular, de acordo com a legislação vigente.
Na interpretação da Paper Excellence, as restrições previstas na legislação brasileira sobre investimentos internacionais em imóveis situados em zonas rurais não se aplicam ao caso da aquisição da Eldorado. Afinal, a transação não configura aquisição de terras rurais para fins agrícolas ou exploração econômica direta, mas sim a aquisição de uma operação consolidada, que inclui ativos industriais e logísticos, voltados à produção de celulose — o que está alinhado ao objetivo de desenvolvimento do setor no Brasil.
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