Guerra de tarifas: EUA 'já perderam prazo de validade' para tentar frear a China
Especialistas afirmam que a hegemonia norte-americana está em declínio desde 2008 e que o cerco tarifário de Trump não impedirá o avanço chinês
247 – A escalada na guerra comercial entre Estados Unidos e China ganhou novo capítulo nesta quarta-feira (2), quando o presidente norte-americano Donald Trump anunciou uma tarifa de 54% sobre todos os produtos importados da China. A medida, segundo a reportagem da Sputnik Brasil, visa impulsionar a indústria interna e conter o avanço do gigante asiático. No entanto, especialistas ouvidos pela emissora consideram a ofensiva inócua diante do atual contexto global.
Para o professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Cordeiro Pires, os Estados Unidos "já perderam o prazo de validade" para frear o crescimento chinês. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, ele foi enfático: "Essa fase em que você poderia estrangular [a economia chinesa] já passou. Do ponto de vista tecnológico e comercial, a tentativa de frear a China já perdeu o prazo de validade".
Segundo o professor, desde a crise de 2008, provocada pela bolha imobiliária nos EUA, o país perdeu considerável poder de barganha, espaço que passou a ser ocupado por Pequim. “Seria muito difícil voltar à roda da história e ter a hegemonia que eles já tiveram no seu auge antes dessa crise. É impossível você argumentar até com um aliado dos Estados Unidos na Ásia, como as Filipinas, que iria abrir mão do comércio com a China porque isso desagrada os norte-americanos”, afirmou.
O Brasil também foi citado como exemplo dessa dependência comercial. "Podemos colocar na mesma conta o Brasil, que tem na China o maior mercado para as commodities, principalmente de seu setor econômico mais poderoso, que é o agronegócio. É praticamente impossível perder esse comércio […]", completou.
Efeitos colaterais nos EUA
A nova tarifa de 54% se soma aos 20% já vigentes desde o início do ano e atinge em cheio produtos populares como os iPhones — que podem passar a custar até US$ 2.300 (R$ 12,9 mil) — e veículos, cujo preço médio deve subir US$ 5 mil (R$ 28,1 mil). A forte dependência dos EUA em relação à importação de peças e produtos da China já acendeu alertas sobre o risco inflacionário, mas o governo Trump aposta na reindustrialização como antídoto à crise.
Contudo, Marcos Cordeiro Pires questiona a viabilidade dessa estratégia em plena era da Indústria 4.0, marcada por automação e sistemas inteligentes. "Por mais que você traga, por exemplo, toda a cadeia produtiva da indústria automobilística para dentro dos EUA, jamais vai recriar uma cidade como Detroit [...]. A maior parte dessa produção será feita por robô", apontou.
Além disso, ele alerta para outro retrocesso: a aposta de Trump nos combustíveis fósseis. Enquanto a China lidera a produção mundial de veículos elétricos, os Estados Unidos insistem na retomada dos motores a combustão. "Já estamos no meio da transição energética, e não é porque os norte-americanos vão optar por um motor a combustão interna que a indústria de veículos elétricos no mundo vai ser paralisada", disse o professor.
China e sua estratégia global
Mesmo com o impacto das novas tarifas, a China mantém sua meta de crescimento de 5% para 2025, com foco no fortalecimento de seu gigantesco mercado interno. A ampliação das relações comerciais e diplomáticas com países da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia é parte essencial dessa estratégia.
Rodrigo Abreu, doutorando em relações internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também ouvido pela Sputnik Brasil, destaca que as parcerias multilaterais da China são uma resposta eficiente às sanções norte-americanas. “Antes, muitas empresas chinesas tinham dificuldade de adentrar mercados específicos, como na África e até na América Latina, que era muito controlada por corporações norte-americanas. Esses acordos comerciais se tornaram parte central da estratégia da China", explicou.
Abreu ainda ressaltou a aproximação com a Rússia, especialmente no setor energético. "Antes, a China importava muito do seu petróleo do Oriente Médio e até dos Estados Unidos. Então, com essa parceria estratégia mais forte, favoreceu bastante as duas potências a conseguirem driblar os efeitos dessas sanções", concluiu.
Um impasse que revela mudança de eixo
As iniciativas de Donald Trump, reempossado neste ano para seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, têm como pano de fundo a tentativa de restaurar a influência global norte-americana. No entanto, os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil apontam que o cenário internacional é outro: mais multipolar, tecnológico e interdependente.
A China, com seu vasto parque industrial, liderança em energia limpa e infraestrutura diplomática em franca expansão, parece já ter conquistado um espaço que dificilmente será desocupado. O cerco tarifário pode até gerar instabilidade, mas dificilmente mudará o rumo da nova ordem econômica mundial.
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